quinta-feira, 28 de abril de 2016

História gótica

47. A noite estava mais escura e ventosa do que era costume, e Viorica não conseguia dormir.
Como o marido voltara tarde e bem bebido, ela levantou-se sem recear acordá-lo. Na cozinha, olhando pela janela, quase nem o ouvia ressonar. Quando o vento afastava as nuvens, a lua revelava o castelo. Aparecia e desaparecia, como a coisa arrepiante que era. Viorica tinha vestido um casaco quente por cima do vestido, e dirigiu-se para a porta. Levava também umas botas resistentes. O portão do jardim rangia, por isso abriu-o muito devagar e saiu. Não se ouvia qualquer ruído, nem havia luzes nas janelas, ou fumo a sair das chaminés. Viorica caminhou até à base da colina e, depois de encontrar o carreiro estreito pelo qual se subia, continuou a andar. A floresta densa que cobria a encosta estava também silenciosa. Viorica levava consigo uma lanterna, e ela iluminava um pequeno círculo à sua volta, mostrando ramos de que era preciso desviar-se e raízes que poderiam fazê-la cair. O vento pôs-se a soprar de repente com tanta força que até se fazia sentir pelo meio das árvores cerradas. Os ramos abanavam e estalavam. A floresta já não estava em silêncio, parecia até que tinha esperado por Viorica para acordar e tornar-se ainda mais assustadora. Os ramos que entravam no círculo de luz da lanterna batiam no rosto e nos braços de Viorica, que fazia um enorme esforço para não gritar, para não voltar para trás e fugir. Os lobos também começaram a fazer-se ouvir, e as corujas. Não era propriamente coragem o que fazia Viorica subir a colina apesar das ameaças da floresta. Porque ela tinha mesmo muito medo e, como se disse, se fosse capaz correria de volta para casa. Qualquer coisa a empurrava, ou puxava, uma força, mas como não se via ninguém que pudesse estar a obrigá-la a subir, essa força devia vir de dentro, ainda que não da sua vontade. Não era a primeira vez que Viorica a sentia. Não se lembrava até de não sentir esta atracção pelo castelo, mas nunca como esta noite, com tanta intensidade, e nunca antes tentara subir até lá. Chegou à orla da floresta, que terminava algumas centenas de metros antes de se chegar ao castelo, e o terreno que era preciso agora atravessar não tinha um arbusto, uma erva. Era só terra seca, um pequeno deserto ou uma terra de ninguém devastada e estéril rodeando o castelo. Havia luz na única janela ampla da fortaleza. Viorica aproximou-se da enorme porta de madeira que parecia ser a entrada principal. Quando ia bater, ela abriu-se, revelando uma escadaria imponente iluminada por archotes. Galgou lentamente os degraus, olhando em volta para as tapeçarias nas paredes, os retratos, as espadas. Para onde quer que olhasse, o luxo hostil que a rodeava parecia mostrar-se-lhe propositadamente, como se o  pó que de costume cobria móveis e corrimões desaparecesse, e as pratas voltassem a brilhar depois de séculos em que ninguém as tinha polido. Os tapetes recuperavam as cores quando os pisava, tapetes de desenhos intricados que muitos dedos deviam ter feito sangrar quando os teceram. No topo da escadaria, um salão de cujo tecto pendia um candelabro pesadíssimo com milhares de pingentes de cristal parecia ter gente. Pelo menos, de lá vinha calor. Um cão que dormia em frente a uma lareira levantou a cabeça com um pequeno ganido e, depois de inspeccionar de longe a mulher parada à entrada do salão, virou a cabeça na direcção de uma poltrona de espaldar alto, como se pedisse autorização para se aproximar da recém-chegada. Do lugar onde se encontrava, Viorica só conseguia ver umas pernas masculinas. O homem a quem as pernas pertenciam levantou-se de repente, voltou-se para a porta, e disse. "Voltaste."


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