quinta-feira, 14 de abril de 2016

Não desiste



O Konstantin Wecker deu na semana passada um concerto em Berlim. Está quase a fazer setenta anos, e não desiste: nem da poesia, nem da revolução, nem do amor, nem de acreditar na bondade das pessoas e num mundo que saberemos fazer melhor.

Canta "tenho um sonho / vamos abrir as fronteiras / e deixamos entrar todos / todos os que fogem da fome e da morte /sem deixar ninguém entregue à sua má-sorte"
E fala de partilharmos com eles a casa e o pão, e da tristeza dos ricos que nos vêem sem saber o que se ganha quando se dá. Acredita que a força doce deste sonho pode mudar o mundo, e nós, que o ouvimos, por um momento acreditamos com ele.

Critica o CSU e o seu discurso populista. Critica a Pegida, esse grupo que atrai pessoas desconfiadas da política e por ela esquecidas, que agora correm para os braços destes flautistas de Hamelin, retrógrados e fanáticos.



Canta "sem ter porquê", inspirado no poema de Angelus Silesius: A rosa não tem porquê. / Floresce porque floresce. / Não cuida de si mesma. / Nem pergunta se alguém a vê.
Vai mais longe, ao Mestre Eckhart: Se se perguntar à vida porque vive, ela responderá: vivo para viver.



Deita contas à vida com a canção mais comovedora da noite: para os seus filhos, que tão depressa cresceram. Pergunta-se o que terá feito bem, o que terá feito mal, diz-lhes que nunca os quis educar (para quê? para serem ambiciosos, para serem gananciosos?). Diz o que lhes deixa: recordações de momentos de beleza. Diz o que quer que levem sempre com eles: o seu amor de pai.



Depois atira-se de olhos fechados para o futuro. Está apaixonado, o poeta de setenta anos, e não soube tirar lições do que viveu e tropeçou no passado. Continua a acreditar que o amor lhe vai dar a viver a eternidade hoje.



Conta de novo sobre aqueles que discutiam os prós e os contras de fazer uma revolução, e do velhote bávaro que os interrompeu "façam a vossa revolução de uma vez, a ver se temos sossego."
Todos lhe conhecemos já esta história, e gostamos sempre de lha ouvir. Na sua voz, tudo faz sentido - porque é uma voz da decência que acusa vergonhas do nosso tempo: os ataques do exército alemão no Afeganistão, as exportações de armas, o nosso egoísmo de ricos, o pensamento cada vez menos livre.

Exige a revolução, exige dos que o rodeiam a partilha do amor à revolução. Elogia o papa Francisco que também quer uma revolução cultural para impedir que continuemos a transformar o nosso mundo numa lixeira - a revolução com a benção de Deus, ri-se ele, e canta:



Arrebata-nos com a sua "dança sagrada", e fala da dança divina na criação do mundo. Está cada vez mais espiritual, o nosso poeta da revolução. Talvez os caminhos paralelos se encontrem realmente no infinito.



E depois ri-se de nós, ri-se connosco. Passou três horas a dar-nos poesia, e nós nem notámos.

Claro que notámos, mas não lhe dizemos que foi para isso que lá fomos, para nos embalarmos na beleza da poesia que lhe acontece, como ele diz.


2 comentários:

  1. Desde que te comecei a ler, caiu sobre mim um grande peso: ando por aqui a pensar que devia ir a mais eventos culturais. É tão triste eu ser preguiçosa e comodista. Tenho de me emendar...

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  2. É um pouco lateral, mas em referência à primeira parte do post, descobri esta semana ao ouvir o podcast do Michael Sandel para a BBC (The public philosopher), que teve lugar no Texas e sobre a imigração, o poema de Emma Lazarus que está inscrito na base da Estátua da Liberdade:

    The New Colossus

    Not like the brazen giant of Greek fame,
    With conquering limbs astride from land to land;
    Here at our sea-washed, sunset gates shall stand
    A mighty woman with a torch, whose flame
    Is the imprisoned lightning, and her name
    Mother of Exiles. From her beacon-hand
    Glows world-wide welcome; her mild eyes command
    The air-bridged harbor that twin cities frame.

    "Keep, ancient lands, your storied pomp!" cries she
    With silent lips. "Give me your tired, your poor,
    Your huddled masses yearning to breathe free,
    The wretched refuse of your teeming shore.
    Send these, the homeless, tempest-tost to me,
    I lift my lamp beside the golden door!"

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