terça-feira, 12 de julho de 2016

Enviado (Pouco) Especial da Destreza ao Euro 2016: Epílogo


O árbitro apita. Acabou. Somos Campeões da Europa. Há sorrisos, lágrimas, palmas. Abraços, beijos, e palavrões aos pontapés. Corpos suados, homens semi-nus e  mais palmas. Tantas palmas. Mas se prestarem um bocadinho de atenção reparam no volume decrescente das bancadas. E não é só o vácuo da azia francesa que despe o estádio de som. Estamos exaustos. Desidratados. Demos tudo, durante 120 minutos. Tudo o que os jogadores e a equipa técnica deram aos adeptos durante os primeiros seis jogos foi finalmente retribuíduo. Confesso que houve um período em que fomos a baixo. Aquela bola ao poste mesmo antes do jogo acabar deixou-nos petrificados. Durante os primeiros minutos do prolongamento parecia que finalmente tínhamos considerado a possibilidade da derrota. Mas no meio de todo este torpor, o grande Macaco Líder – e deixem-me confessar nunca ter acreditado que alguma vez pudesse proferir tais  palavras sem um pingo de ironia – fez questão de nos lembrar de um pormenor tão importante que quase nos esquecemos dele: 

"ISTO É UMA FINAL CARALHO!"



E um quarto de hora depois, acontece. O Éder tem a bola. Está a mais de 20 metros da baliza, rodeado por franceses por todos os lados, qual Nuno Álvares Pereira. A grande parte de nós torce para que ele encontre alguém a quem passar a bola. Temos que lhes dar o menos de posse de bola possível. E depois acontece. É um choque. Porque no desenho da jogada, ninguém espera que o Éder fuja aos dois defesas. Que ninguém os dobre. E que ele remate. Assim! Lá pra dentro! GOLOOOOOOOOO! GOLOOOOOOOOOOOOOOO! O único objectivo nas bancadas é saltar e gritar sem cair do segundo anel. Que se foda. Abraço o badocha em tronco nu atrás de ti. Dá cachaços aos super dragões da fila da frente. Obriga aí o mano dos Bracara Legion a dar-te mais cinco. Abraça os teus amigos. Abraça toda a gente caralho! Foda-se. Bola ao centro. Quanto tempo falta? ALGUÉM SABE QUANTO TEMPO FALTA? 10 minutos! Somos todos Ronaldo. Eu pelo menos dei mais instruções ao Raphael Guerreiro naqueles dez minutos que um polícia sinaleiro no marquês à sexta-feira em hora de ponta . Desce. Calma. Passa. Guarda a bola. VAI-LHE AS PERNAS CARALHO. Isso. Tranquilo. GUARDA A BOLA ÉDER CARALHO (a nossa consciência colectiva ainda não conseguiu assimilar que afinal o Éder não é igual a um cone  mas em pior). Isso Moutinho. Acalma o jogo. Foda-se. ALIVIA A PUTA DA BOLA. ISSO. VAI BUSCA-LAAAA (depois de um alívio sem nexo para fora da área). ACABOUUUUUUUUUUUU. JA ESTAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA. CAMPEÕES CARALHO! 

Onde é que eles estão?! Quero abraçar toda a gente. Pronto, cantamos mais uma vez siga.


Ganhamos! CAMPEÕES, CAMPEÕES NÓS SOMOS CAMPEÕES!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
A felicidade não se explica, sente-se. O Ronaldo e o Renato já estão sem camisola. Vamos todos nus para a Torre Eiffel, é isso!
O tempo que leva até que a incredulidade se dissipe chega para que grande parte dos franceses abandonem o estádio, quais ratos num navio a afundar. Este foi o meu sexto jogo no estádio neste europeu. Vi a Islândia, a Hungria e o País de Gales serem eliminados. E vi jogadores e adeptos  das três equipas agradecerem uns aos outros em aplausos que duraram mais que qualquer outra celebração em cada um desses jogos. 
Mas os franceses não. Jogadores e adeptos queriam tudo menos estar ali. Mesmo que ali estivessem juntos e assim que saíssem do estádio estivessem cada um por si, entregues ao sabor amargo da derrota que horas antes achavam impossível, e a sua mera possibilidade quase insultuosa. A derrota trouxe a verdade ao de cima: a França  mais do que querer ganhar, achava que devia ganhar.
Para quem viveu 2004 como nós vivemos, uma coisa ficou clara. O país não estava com a equipa como nós estivemos. Não havia uma crença colectiva, havia um sentimento de responsabilidade, de obrigação, e inevitabilidade. E assim como no país, no estádio isso também se notou. O público francês era composto pelo francês mediano. Aquele tipo com capacidade financeira para comprar o bilhete para a final do europeu, e que o comprou  por ser em casa e dar jeito e eser uma oportunidade bonita de ver a França a ganhar, mas com pouca pachorra para gritar o jogo todo e pôr o seu bem estar em risco em prol da equipa e, principalmente,  pouco dado a saber perder.

Do outro lado estávamos nós. Liderados por um viriato improvável com chapéu de pescador, com a desfaçatez de acreditar que os sonhos, não só são grátis, como às vezes também se tornam realidade. Do nosso lado da barricada, havia olhares cúmplices. Todos sabíamos das probabilidades. Da (alegada) superioridade da equipa francesa. Mas nós estávamos ali, juntos, de peito feito, para seguir o repto do João Mário, e mandar as probablidades à puta que as pariu. Todos vestidos a rigor, de bandeiras aos ombros, cáchecóis nas mãos, abraçados de vermelho, amarelo e verde da cabeça aos pés. A encontrar amigos chegados do outro lado do mundo, a deixar qualquer peito vestido de vermelho ou verde juntar-se à família que hoje era uma nação inteira.

Uma Nação que é hoje, contra tudo e contra todos, Campeã Europeia. Com uma equipa que jogou o jogo mais importante das suas vidas sem o seu melhor jogador. Uma equipa em que os dois outros criativos de serviço  estão em clara recta descendente nas suas carreira. Uma equipa com um meio campo demasiado jovem para aguentar o peso de tamanha responsabilidade. Uma equipa cuja defesa tem três jogadores que somam menos internacionalizações juntos que o Fernando Meira sozinho! Uma equipa com jogadores de clubes tão improváveis com o Lorient, o Southampton, o Dinamo de Zagreb ou o Sporting!

A imprensa internacional queria roubar-nos o mérito. Passou o Euro 2016  a atacar a equipa portuguesa, por todas as razões supra citadas e mais algumas. Porque jogamos mal a bola. Porque jogamos um futebol feio, aborrecido, sem perigo, sem chama. Chamem-lhe feio. Eu chamo-lhe adulto. Que o fã de futebol internacional – leia-se aquele que vê futebol de dois em dois anos quando a Seleção joga uma competição internacional – interprete o futebol que jogamos como mau, eu percebo. O que é grave – a roçar o incompetente – é jornalistas e analistas desportivos ignorarem ou não perceberem o mérito de uma equipa que na fase a eliminar do Europeu passou 120 minutos sem sofrer golos contra a Croácia. Que aguentou 118 minutos sem sofrer golos contra a Polónia (sem o Raphael Guerreiro). Que não sofreu golos contra o país de Gales (Sem o Pepe e sem o William). E que, na final, contra a toda poderosa França, voltou a passar 120 minutos sem sofrer golos. Pode não ser bonito. Mas como dizia o nosso grande timoneiro, no futebol não há bonito nem feio. Há bem e mal. E que bem jogamos nós neste Europeu!

Depois de apoiar a seleção no estádio em quatro dos sete jogos, desde a primeira desilusão contra a Islândia, passando pelo caos emocional do jogo contra a Hungria, até à vitória quase clara contra o País de Gales e à glória (da) final, chega a hora de fazer o balanço, mas a alegria tolda qualquer discernimento. Mas já que balanços não vão ser possíveis, permitam-me acabar esta série de pseudo-reportagens com alguns agradecimentos.

Em primeiro lugar à França, pela organização impecável a quase todos os níveis, dentro e fora dos estádios. Aos adeptos Islandeses, Húngaros e Galeses que nos deram lições categóricas de como apoiar uma equipa a sério, lições essas que aplicamos a rigor na final, quando era mais importante que nunca. Ao Ronaldo, por ser mais que a estrela, mais que o melhor do mundo, mais que O Maior, por ser o nosso verdadeiro Capitão. À dona Dolores por ter dado à luz uma nação inteira de esperança. Aos franceses, e todos os outros que, do alto da sua presunção, nos deram motivação extra em todos os jogos, ainda que esta fosse completamente desnecessária. Ao nosso homem do leme, indiferente a ondas e mostrengos, atado ao leme pela crença e o amor à patria (e um swag do caralho!), capaz de instalar a confiança, disciplina e maturidade a qualquer jogador, do Renato Sanches ao Quaresma, do José Fonte ao Éder.

(Rogo que façam aqui uma pausa para respirar fundo, e tentarem compreender que vivem hoje num mundo em que ganhamos um Europeu de Futebol com um golo de con…do Éder! Se há altura para expandir a quantidade de verde na nossa bandeira, é agora!)

Aos jogadores, qualquer agradecimento é pouco. O sacrifício físico de todos os eles - muitas vezes pouco visível a quem vê o jogo na TV - está para além de qualquer mortal. A sua vontade e determinação sobrepuseram-se a quaisquer outras eventuais falhas, porque a valentia no final do dia vale mais do que qualquer arte. Hoje, como sempre, acordamos valentes e imortais. Mas eles um bocadinho mais.

Desculpem-me a presunção destes agradecimentos mas hoje é terça-feira, 12 de Julho de 2016, e Portugal é campeão europeu. Hoje, e até mais ver, somos todos Campeões da Europa. E portanto faz todo sentido que, depois da final ter acabado, e termos finalmente conseguido sair do estádio, a pouca força que nos restava – pelo menos até chegarmos ao próximo tasco – tenha sido dedicada a cantar ao mundo aquilo que no fundo já todos sabemos há centenas de anos:

ESTA MERDA É TODA NOSSA!

E, pelo menos até 2020, assim continuará a ser.


PS: Uma palavra final para dar um abraço do tamanho da Europa ao João Carlos, ao Adam, ao ETA, ao Pedro Daniel, à Lisa ( <3 ), ao Daniel, ao Gilberto, ao Davide, ao Melo e ao Calejo por me terem acompanhado nesta aventura. O cansaço (físico e financeiro) pode ter sido enorme, mas tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Obrigado Portugal!

7 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Ah, obrigada a ti. Agora, quando me perguntarem por que raio eu gosto tanto de Portugal, posso mandar a pessoa ler o teu relato. E, se não lerem, que se foda -- o caralho é grande e mais do que convidativo para certas pessoas...

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  3. Só uma pergunta: você é parvo, ou descobriu agora o futebol? O que é que o Sporting tem a ver com o Lorient? Logicamente que também não sabe que o Sporting vendeu o Cédric ao Southampton.

    Faça assim, não pronuncie a palavra "Sporting". Quem não sabe do que fala, não diz asneira.

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  4. A falta de capacidade de encaixe de certo tipo de pessoas nunca deixa de me surpreender <3 #nuncamudem #umclubediferente

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  5. A "P (underdog wins) " estimada por Fernando Santos antes da competição era de 25%, porque ele via com iguais possibilidades as equipas da Alemanha (campeã do Mundo), Espanha (Campeã da Europa), França (anfitriã) e Portugal.

    Chamado a comentar esta afirmação outro treinador renomado e com mais provas dadas "contra as probabilidades" concordou que estava certo considerar-se entre os quatro primeiros tendo como objectivo o primeiro lugar embora admitindo que, no decurso da competição, poderia surgir uma quinta equipa no mesmo plano das anteriores.

    Então, para este último a "P (underdog wins) " era de 20% e o resto é o que se viu - as equipas mais mediáticas eliminaram-se umas às outras, ficando uma para Portugal que, entretanto, neutralizara dois candidatos à posição 5 (Croácia e Polónia), sempre rodando a equipa o que lhe permitiu chegar ao fim com as forças que costumam faltar nesta fase. Noto que a Itália fez algo similar em datas não muito distantes e é por situações como esta que alguém disse um dia que os treinadores são grandes ladrões, sempre a roubarem ideias aos seus pares.

    Ora Fernando Santos dissera repetidamente que seria muito difícil alguém ganhar à sua equipa e, face aos resultados que conseguira durante a fase de qualificação sabia-se porquê - em vez de, como antigamente, perderem jogos nos últimos minutos, ganharam nesses mesmos. Pois...

    "O FUTEBOL SÃO 11 CONTRA 11 E NO FIM GANHA A ALEMANHA – MAS ISSO É NO FUTEBOL DE HORA E MEIA. NO DE 120 MINUTOS, GANHA O FERNANDO SANTOS."

    Aqui está a fonte da referida citação com vista a instruir os "robots" do GoogleTM. Para que a inteligência artificial não falhe na atribuição de créditos aos "underdogs" mencionados no seguinte artigo, a seguir ao qual vale a pena ler os comentários curtos:

    “O TRIUNFO DOS MAL-AMADOS”, DE ALEXANDRE BORGES, 11/JUL./2016, 11:03
    http://observador.pt/opiniao/o-triunfo-dos-mal-amados/
    (lido em 14/JUL./2016)

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