sexta-feira, 15 de julho de 2016

Velho normal

Ontem estive um par de horas a assistir à cobertura dos canais de notícias ao atentado de Nice. Uma das expressões mais repetidas pelos jornalistas é a de que este é o novo normal. Ora corro o risco de me limitar a dizer o óbvio, mas este não é o novo normal. É o velho normal. O que não é normal são os últimos 60 ou 70 anos de paz na Europa. São uma improbabilidade histórica. Em grande medida, a principal responsável por essa improbabilidade histórica é a União Europeia.  

O que estes atentados em França me parecem estar a querer obter é a vitória da Frente Nacional, para que os terroristas possam finalmente enfrentar um adversário ao mesmo nível e que luta com as mesmas armas.

A vitória da Frente Nacional será a estocada final na União Europeia. Uma das mais recentes facadas foi dada por Boris Johnson ao liderar a campanha pelo brexit. O mesmo Boris que veio hoje dizer, se este tiver sido um atentado terrorista, representa a continuação de uma ameaça continuada a nós todos europeus, e temos de a enfrentar juntos. A sério, disse-o mesmo, assim. Tenho a ideia que, para enfrentar a ameaça juntos, conviria não estarmos separados. 

Não há dúvidas que os terroristas querem o regresso ao velho normal. Não sei porque é que há tanta gente a volunitariar-se para lhes fazer a vontade. 

23 comentários:

  1. A esquerda promove(há décadas)a abertura de fronteiras em nome das "igualdades" e a direita(a liberal capitalista) promove a vinda de estrangeiros em nome da "mão de obra barata"(ambas ignorando ou não levando em conta a questão cultural,social e religiosa),resultado= http://ionline.sapo.pt/516681

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    1. Eu promovo a abertura de fronteiras porque a aldeia não me basta. Não tem um propósito maior que esse.

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    2. O que tem abertura de fronteiras a ver com poder viver em qualquer sítio? Os cidadãos dos países Europeus podiam viver em qualquer estado da CEE antes de Schengen. Os cidadãos de qualquer país da ECOWAS podem viver em qualquer estado membro e há controlo fronteiriço tradicional (e férreo...) em todos. Certas categorias de cidadãos (no futuro serão todos mas para já há limitações) dos países membros do CARICOM podem viver em qualquer país membro da organização e há controlos fronteiriços.

      Daqui que repito a minha pergunta: o que tem abertura de fronteiras a ver com liberdade de residência?

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    3. Zuricher, se o seu problema é semântico, naturalmente o que quis dizer é que eu defendo a abertura de fronteiras e o direito de residência (sem ter de pedir licença).

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    4. Luís, já pensou nas implicações practicas do que defende, toda a gente poder viver em qualquer lado segundo a sua vontade? Implicações tanto para os países emissores como para os países receptores.

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  2. Nem precisas de ir tão longe, Luís. Nos anos 70/80 a Europa estava assolada por movimentos terroristas (tanto à esquerda como à direita) - eu lembro-me de ir a Londres com os meus pais e não haver caixotes do lixo por causa do IRA.

    A grande diferença é a motivação: a onda de atentados nos anos 70/80 era maioritariamente política ou sectária/independentista. Existiam motivos mais ou menos racionais, pelo que na grande maioria dos casos foi possível chegar a uma solução combinando vias policiais e políticas.

    Este tipo de terrorismo não o é, é antes uma combinação tóxica de fanatismo religioso e niilismo social. As soluções não passam com certeza por negociar com o outro - até porque o outro ou não quer negociar ou não existe - mas muito mais por combater a sua mensagem, tornando-a pouco apelativa.

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    1. É verdade que nos anos 70/80 o Reino Unido estava assolada pelas bombas do IRA. Mas os últimos 10/12 anos representam a primeira vez, desde os anos 40, que a Europa, e não um estado isolado, é atacada.

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    2. Não é a Europa (isso existe?) que está a ser atacada. Os ataques estão limitados a países específicos por motivos específicos. Não são indiscriminados.

      Como o meu chapéu se houver algum ataque islâmico em Vaduz, Varsóvia, Vilnius, Zurich e vários outros pelo mesmo estilo. Pelo contrário, em Inglaterra e França são muito provaveis por serem países que estão a combater activamente o islamismo radical. Note, estes países combatem e não a Europa como um todo. Noutros países e por outra classe de motivos são possiveis mas menos provaveis e noutros nada indica que possam existir.

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    3. Não é a "Europa", Luís. É o Ocidente. A Europa é só mais "fácil".

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  3. Luís, tem-se tornado um lugar comum associar a paz na Europa à UE. Esse lugar comum não se segura perante os factos. O século XIX, desde 1815 até 1870, foi razoavelmente pacífico na Europa Ocidental. O que houve durante esses anos é comparavel ao que houve na Europa desde 1945. E não havia União Europeia nem nada remotamente parecido. Havia, sim, o Sistema do Congresso de Viena, que foi funcionando até ter sido atirado pelos ares. E foi-o exactamente pelos mesmos motivos pelos quais a UE, por maioria de razão, está a sê-lo. Por outro lado, esse argumento esquece totalmente a NATO, a tutela Americana exercida sobre a Europa Ocidental, a ameaça Soviética que gerou um inimigo comum e esquece que antes da UE havia a CEE, algo totalmente diferente. É um mito que, embora muito dito, se escrutinado, cai facilmente desfeito em pó.

    Adiante: está a sugerir que é a FN quem está por trás destes atentados para obter benefícios eleitorais?!

    Combater a ameaça terrorista implica pertença à União Europeia?! Caramba! Desde tempos imemoriais que as sociedades humanas se unem para combater um inimigo comum. Não é necessária a UE para isso como nunca foi.

    Está bem que se seja Europeísta mas não é preciso chegar a este ponto para a defender!

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    1. "Adiante: está a sugerir que é a FN quem está por trás destes atentados para obter benefícios eleitorais?!"

      Se nunca tivesse lido um comentário seu, acharia que você era um idiota por ter feito esta pergunta, e não lhe respondia. Bom, a verdade é que também não lhe vou responder a este ponto, porque o Zuricher não é idiota, mas a pergunta é.

      Quanto ao resto: não defendi que a UE era a única razão para a paz dos últimos 60 anos, mas nada do que me disse me convence que não é um dos fatores mais relevantes para ela. O facto de as pessoas poderem transitar de país para país livremente e assim abandonarem nacionalismos bacocos; a convergência das políticas económicas que (deviam estar) alinhadas para o bem comum e não para o "beggar thy neighbour" (algo que era a regra antes da segunda guerra e que, infelizmente, voltou a ser por total miopia do core da Europa); a coordenação de defesa e de orientação estratégica num mundo que despreza a Europa cada vez mais, são fatores essenciais para a paz.

      A paz entre 1815 e 1870, como lhe chama, foi estabelecida no auge dos nacionalismos e das construções de impérios coloniais, que viiram a descambar em duas guerras mundiais.

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    2. A pergunta foi deliberadamente provocatória com a intenção de levar o Luís a desenvolver o raciocínio da frase que lhe deu origem. Até porque fiquei com dúvidas sobre onde queria chegar exactamente. Não achei que fosse ao que perguntei, naturalmente, mas era incendiário qb para clarificar as minhas dúvidas através da sua resposta. O propósito foi gorado mas espero que com mais esta achega o Luís possa explicitar melhor o que pretendeu dizer.

      As pessoas podiam transitar livremente durante a CEE! A convergência das políticas económicas é uma das utopias da UE como, de resto, está a ver-se em todo o seu esplendor. A abordagem ao dinheiro é muito diferente em diferentes países e pretender impôr uma abordagem comum não se tem revelado possivel. Essa coordenação pode fazer-se sem a UE como é feita no resto do mundo e, de resto, como é feita entre a UE e países terceiros. Com pormenores adicionais: cada país tem as suas forças de segurança e serviços de informações e não estão todos na mailing list de todos para tudo e muito menos nas mailing lists de países terceiros. A informação é partilhada selectivamente, mesmo entre países da UE.

      Quando o sistema do Congresso de Viena foi criado os nacionalismos estavam em franco retrocesso após as aventuras de Napoleão. Aliás, o sistema de congresso foi criado precisamente para não voltar a ser possivel existir algo do género. O sistema de congresso cai por terra com o passar das décadas precisamente pelo que seria normal de suceder, até mesmo numa aliança destinada exclusivamente a manter a paz: os países defendiam cada um os seus interesses e a dada altura essa defesa gerou impasses que não podiam ser resolvidos dentro do quadro do Congresso de Viena. O Luís chama a isto nacionalismo. Eu vejo como a normalíssima reacção das sociedades humanas. Sempre foi assim.

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    3. Essa de os estados supra-nacionais serem garantes da paz tem que se lhe diga: a URSS era um estado-supranacional, e quanto ao seu comportamento pacífico, é melhor nem dizer nada. A Jugoslávia era uma federação, até bem menos artificial que a UE (que alguns querem transformar numa federação, mas essa fantasia está cada vez mais longe)e rebentou do modo como sabemos. Longe de ser uma garante de paz, a "supranacional" Jugoslávia continha em si as próprias sementes da violência.

      Por mais que alguns queiram, o estado nacional está longe de estar morto: vários nóveis estados acionais surgiram na Eurpa nos últimos 25 anos. O estado nacional surgiu, basicamente dos arranjos de Vestfália e continham até boas receitas para a paz (que foi o objectivo de Vestfália), como a não-ingerência nas questões alheias. O problema da conflitualidade na Europa pós-Vestfália não se deveu à existência de estados nacionais, mas sim ao emergir do nacionalismo violento e ao recrudescer de vários imperialismos continentais.

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    4. "O século XIX, desde 1815 até 1870, foi razoavelmente pacífico na Europa Ocidental."

      Suspeito que esse foi "só" um dos períodos mais conturbados da história da Europa Ocidental - Portugal teve logo umas duas ou três guerras civis nessa altura. E suponho que não foi caso único - a maior parte das guerras e revoluções que deitaram abaixo a ordem pré-liberal em grande parte da Europa ocorreram nesse período.

      De qualquer maneira, acho que não é boa ideia misturar guerras entre estados com guerras internas (aliás, também por isso não acho que o que estamos a viver agora seja o "velho normal" - o terrorismo indiscriminado em larga escala é algo, em termos de sensação de insegurança, totalmente diferente daquilo que conhecemos da História).

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    5. O meu raciocínio era muito simples. O terrorismo é uma reação ao modo de vida ocidental, que inclui a tolerância e a liberdade. Querem que a Europa reaja, não querem que continuemos a viver as nossas vidas como se não estivessemos sob ataque. A FN e Trump e quem manda na Polónia e na Hungria prometem combater aqueles que estão contra a tolerância e a liberdade, com base na restrição da tolerância e da liberdade. É exatamente o que os terroristas querem.

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    6. Luís, trata-se simplesmente de adaptar o modo de vida ocidental à realidade. Não se trata de cortar cerce com a modus vivendi Europeu mas tão somente de dotar as sociedades Europeias das ferramentas necessárias a combater e derrotar aqueles que pretendem acabar com este modo de vida. É um mero exercício de pragmatismo.

      Não quer comparar o que defende a FN com o que pretende o islamismo radical, certamente. De resto tem em Israel um bom exemplo de país que alia a tolerância, a liberdade e a democracia ao combate eficaz ao terrorismo. Nos EUA está a ser feito também.

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    7. Luís,

      Não sendo o terrorismo islâmico confinado ao Ocidente - longe disso, como sabemos - ele não pode ser retratado apenas como uma reacção ao modo de vida ocidental.

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    8. Está confinado aos valores que chamaríamos ocidentais, sim. Quando metem bombas e matam muçulmanos na Indonésia ou no Iraque, fazem-no porque são moderados e representam uma ameaça de ocidentalização.

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  4. Mais um bocadinho e o Boris Johnson era acusado de "responsabilidade objectiva" no atentado de Nice.

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    1. Geraldo, se há coisa que eu nunca acusarei Boris, é de responsabilidade.

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  5. Está a esquecer-se do "trabalho incansável" do líder trabalhista contra a UE. A nossa extrema esquerda (e alguma da nossa esquerda) também tem trabalhado incansavelmente contra a UE. Mas sempre na expectativa de poderem continuar nela, UE, para dela dizerem mal.

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    1. Se há discussão que tenho tido com amigos de esquerda, é por eles defenderem a não-campanha de Corbyn.

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  6. Luís, pode ser que tenha acabado agora um guião para escrever um “Guns, Germs, and Steel- The fates of Human Societies”, como o de Jared Diamond, agora sobre o controlo do terrorismo.

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