sexta-feira, 1 de abril de 2016

Contas à dívida e ao défice

Ontem, o INE publicou as estimativas referentes à dívida pública e défice orçamental global de 2015. Nada de significativo nos foi dado, a dívida pública desceu em 2015 para 128,8% ou 129% do PIB, dependendo da contabilidade que queiramos usar para o tratamento do passivo do Banif; o défice foi de 4,4%, mas teria sido 3% se não tivesse havido Banif. Como houve Banif, não sairemos do procedimento de défices excessivos, o que dá a António Costa um pretexto para manter o BE e o PCP entalados. Mesmo assim, não partilho do optimismo do governo revelado nas contas para 2017. Acho que a probabilidade de a dívida descer para 127,7% e o défice cair para 2,2% é muito baixa, bem abaixo de 50%. (Este tipo de estimativas incomodam-me imenso porque uma estimativa bem feita é aquela em que nós não sabemos bem para que lado dela a realidade irá cair; mas, neste caso, acho que não há grande probabilidade de a realidade ser melhor do que a estimativa, o que nos dá uma estimativa enviesada.)
Das duas uma: ou iremos presenciar um milagre económico, ou irá haver uma alteração da maneira como os números são calculados--neste caso, seria conveniente refazer os cálculos para anos anteriores para que os números pudessem ser comparáveis de ano para ano. Ontem, um conjunto de sete Ministros das Finanças da UE, entre eles Mário Centeno, enviaram uma carta à Comissão Europeia no sentido de alterar a fórmula como se calcula o défice estrutural. Em causa está o horizonte temporal usado para calcular o PIB potencial. (O LA-C já escreveu sobre isso no Observador.) Os Ministros querem que o horizonte temporal passe de 2 para 4 anos. A lógica é que, num período mais longo, o PIB potencial será mais alto, o que aumenta o denominador do rácio do défice, efectivamente diminuindo o défice. Intuitivamente, isto é um bocado como dizer que se nós chamarmos gardénia a uma rosa, a rosa irá ter o aroma de uma gardénia.
Há uma outra questão que me interessa nesta história do PIB potencial porque eu não tenho a certeza de que esta alteração seja benéfica para Portugal. Tradicionalmente, o PIB potencial tem tendência a aumentar por causa do aumento da população, do nível de formação desta, e da inovação tecnológica. A diferença entre a tecnologia de quatro anos e a de dois parece-me que não irá ser muito grande, mas será positiva, ou seja, o contributo da tecnologia dos próximos quatro anos para o PIB potencial será superior ao contributo da tecnologia dos próximos dois anos porque o nível médio de tecnologia em quatro anos irá ser superior ao de dois. Resta-nos so efeitos da demografia e da formação da população. Em termos de demografia, Portugal está não só a envelhecer, como a perder população, logo o contributo da demografia em quatro anos será pior, em média, do que em dois para o PIB potencial porque a demografia dos próximos dois anos é melhor do que a demografia dos dois a seguir. Em termos de formação da população, também não sei muito bem o efeito que isto terá para o PIB potencial porque, se tivermos forte emigração, esta irá retirar trabalhadores mais qualificados do país, o que baixa o nível de qualificação da população. À medida que as outras economias recuperam mais depressa do que Portugal -- note-se que Portugal está estagnado há 15 anos, como nos diz amiúde o Fernando Alexandre --, a probabilidade de os mais qualificados emigrarem aumenta.
Concluo então, intuitivamente, que não sei muito bem como é que o PIB potencial se irá comportar, pois temos variáveis que irão ter efeitos opostos. Isto é, não sei o efeito final, se as contas forem bem-feitas; se as contas forem mal feitas, como é costume, o PIB potencial cresce sempre; já o PIB real é que fica estagnado.

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