terça-feira, 5 de abril de 2016

História gótica

28. Valodu não parara de tremer desde aquele dia.
Assim que chegara à aldeia tinha procurado alguém que o levasse ao castelo, ou alguém que lhe alugasse um cavalo ou uma mula. Mas quando dizia que precisava do cavalo, ou da mula, para subir a colina, respondiam-lhe que não tinham o que lhe alugar. Que os cavalos estavam cansados e as mulas ocupadas. Que as selas estavam estragadas. Alguns nem diziam nada, voltavam-lhe as costas. Outros, de cara repentinamente sombria, mudavam de assunto. Depois de uma manhã a procurar em vão um transporte, Valodu decidiu partir a pé. Guardou nos bolsos do casaco largo um pão, um pedaço de queijo e uma garrafa de vinho, e pôs-se a caminho na direcção da colina. Reparou que, à medida que se aproximava da elevação, o caminho ia desaparecendo. Cada vez eram mais altas e mais cerradas as ervas e plantas daninhas, as urtigas e trepadeiras cheias de picos, as folhagens que pareciam venenosas. E cada vez o silêncio era maior, o restolhar das lebres e das raposas, os chilreios dos pássaros, os zumbidos dos insectos deixaram de se ouvir. A certa altura já não havia caminho, e às ervas tinham-se sucedido árvores altas e densas que pouco deixavam passar a luz do sol. O silêncio e a escuridão aumentavam com cada passo de Valodu, que começava a ficar desorientado e receava não ser capaz nem de chegar ao castelo nem de regressar à aldeia. "E se estou a andar em círculos, e se estou sempre a voltar ao mesmo lugar", perguntava-se. A certa altura, as únicas coisas que ouvia eram os seus próprios passos avançando por entre folhas e ramos, e os batimentos do seu coração. Andou assim durante muito tempo, pareceram-lhe horas. Quando encontrou uma pequena clareira onde a floresta era um pouco menos inquietante, sentou-se para descansar. Comeu, bebeu, encostado ao tronco de uma árvore, e em breve o conforto do estômago e do álcool fizeram com que adormecesse. Acordou de repente com um assobio insistente nas suas costas. A princípio não conseguiu perceber de onde vinha, mas finalmente localizou-o e dirigiu-se a um arbusto. Pôs-se a revolver as folhas, à procura de quem assobiava, mas agora o assobio parecia-lhe vir de um sítio diferente, de outro arbusto mais à direita. Vários minutos passaram com Valodu a correr de arbusto em arbusto, e o assobio sempre a mudar de lugar, até que, com um salto, conseguiu agarrar algo mais do que folhas e caracóis. "Iiiiiiiiiiii!!!!!". O assobio transformou-se num  guincho e Valodu sentiu debaixo de si um espernear, ou esbracejar, aflito, acompanhado de pequenos murros, pontapés e arranhões. "Iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!" Os guinchos não paravam, por isso Valodu decidiu dar algum espaço à criatura, até porque queria ver do que ou de quem se tratava. Mal se sentiu livre, a coisa tentou fugir, mas Valodu agarrou-a pelos colarinhos. "Bom, se tem colarinho, tem camisa. E se tem camisa, é uma pessoa", raciocinou Valodu. "Pára!" "Não te vou fazer mal nenhum." O homúnculo, pois era um homem em miniatura que Valodu tinha capturado, continuava a dar pontapés no ar mas já não guinchava. "Larga, larga, larga!" "Largo-te se prometeres que não foges." "Larga, prometo, larga!" Valodu pousou-o, desconfiado, e a primeira coisa que o homenzinho fez assim que se viu no chão foi correr. Ou melhor, tentar, porque Valodu ainda o tinha agarrado, desta vez pela falda da camisa, e o homenzinho estatelou-se ao comprido com um grande baque. "Nem penses, seu espertalhão." Valodu despiu o casaco e usou-o para amarrar o anão a uma árvore. "Agora vais-me dizer por que é que andavas a espiar-me. E a assobiar." 

4 comentários:

  1. A parte dos assobios vindos de trás dos arbustos e as corridas de Valodu, um para outro, lembrou-me a anedota velhinha do pastor alentejano que consultou o médico da aldeia por via de um problema que o afligia. Sentado em frente ao clínico, o pastor desabafou: -saiba vossa excelência que desde ha um tempo a esta parte, sucede que perdi a vontade de ter sexo co a minha Maria e só me chega a vontade quando ando a pastorear. Nessa altura, subo o monte a correr mas quando chego ao pé da minha Maria de tão cançado que vou, já se me passou a vontade. O que é que o senhor dotor me aconselha?
    - Olhe lá ti Manel, você não tem uma caçadeira lá em casa?
    - Ê tanho sim senhor, senhor dotor.
    - Então você vai fazer o seguinte: combina com a sua Maria e quando sair com o gado, leva a caçadeira carregada. Na altura em que sentir a vontade a chegar, corre para trás de uma moita e faz um disparo para o ar. A sua Maria já sabe e assim que ouvir o tiro desce o monte e vem ter consigo. Vai ver que não falha e de hoje a 15 dias volte cá para me dizer qual foi o resultado!
    Passados os 15 dias o ti Manel lá volta à consulta. Assim que o vê, o médico repara que o pobre pastor está com um ar mais triste que na primeira consulta e pergunta-lhe: - entãi ti Manel, o conselho deu resultado, ou não?
    -Nã senhor, senhor doutor.
    -Mas então você não seguiu as indicações que lhe dei?
    - Pois segui sim senhor, senhor doutor.
    - Então se seguiu, porque é que não deu resultado?!
    - Ora senhor doutor, porque naquela semana abriu a época da caça e a partir desse dia a minha Maria não faz outra coisa que andar a correr de moita para moita...

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  2. A mim fez-me lembrar as "viagens de Gulliver" e os liliputianos!

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  3. Faz muito mais sentido que um liliputiano tenha feito uma expedição no Índico e entrando pelo Cáspio, mais uns pózinhos para Norte e acabasse por atingir a Rússia, que um alentejano. Até porque é bem conhecida a indolência dos nossos cumpadres em contrposição à hiperatividade dos minorcas de Liliput.

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  4. Faz muito mais sentido que um liliputiano tenha feito uma expedição no Índico e entrando pelo Cáspio, mais uns pózinhos para Norte e acabasse por atingir a Rússia, que um alentejano. Até porque é bem conhecida a indolência dos nossos cumpadres em contrposição à hiperatividade dos minorcas de Liliput.

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