segunda-feira, 4 de abril de 2016

#PanamaPapers

O Twitter está ao rubro com o escândalo #PanamaPapers.

Esta tarde, li o artigo do o Expresso e depois fui à procura do que dizia a imprensa americana. Não encontrei nada há umas seis horas, só um artigo da BBC, mas obviamente a BBC não é americana. Reparei que a história deste esquema de corrupção mundial, como relatava o Expresso, dava muito jeito: o pai do Cameron implicado num momento em que se fala do Brexit, o Putin e uns saudis implicados, o Poroshenko da Ucrânia também (é aquele país onde caiu um avião da UE abatido por ucranianos ou russos); mas não há grandes multi-milionários americanos, nem grandes empresas americanas implicadas, etc. E o Snowden que tem asilo na Rússia está contente. Aqui há tanto gato... Acho que o Barack Obama e a Angela Merkel já estão em bons termos outra vez. Acho, não; tenho a certeza absoluta!

Entretanto, a Bloomberg, a NPR, The Atlantic, e o WashPost já encontraram a história, mas estes dois últimos enterraram-na longe de um sítio de destaque. Não é normal a imprensa americana demorar tanto para divulgar uma história deste calibre. A CNN, o NYT, o WSJ ainda não têm nada evidente sobre o assunto. Meow...

23 comentários:

  1. Eu apostaria que a imprensa americana está com inveja de não ter tido coragem para entrar na matéria sempre que, do lado da Europa, se disse que os exageros offshore só acabarão quando os EUA quiserem...

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    1. Julgo que não é uma questão de coragem. É uma questão de dinheiro: a Bloomberg ganha o próprio; a NPR recebe doações do público e de empresas, mas não está dependente do interesse de certos grupos. No entanto, o NYT pode ainda estar escaldado da sua cobertura da invasão do Iraque e estar a fazer "due dilligence" antes de escrever algo.

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    2. A lógica de propriedade das publicações está sempre presente e poucas pessoas sabem explicitá-la tão bem, in casu como, sem surpresa, acaba de ser feito pela Rita.
      Quanto à parte que eu referi como "coragem" é, evidentemente, um eufemismo para referir o que não quero referir (passe a repetição).

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    3. Como a Rita diz, é uma questão de dinheiro.
      https://www.craigmurray.org.uk/archives/2016/04/corporate-media-gatekeepers-protect-western-1-from-panama-leak/

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    4. «Never forget the Guardian smashed its copies of the Snowden files on the instruction of MI6.»

      O Guardian é a "mouthpiece" por excelência das elites metro-liberais bem-pensantes do Reino Unido, e de repente aparece neste artigo como membro da habitual "conspiração capitalista internacional". O artigo só se esqueceu de referir o Grupo de Bilderberg e a Trilateral.

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    5. Alexandre, mesmo as "mouthpieces das elites metro-liberais bem-pensantes" tem que comer...

      Existe um viés na forma como os dados estão a ser revelados? Existe.

      Esse viés reflecte coisas que incluem o desejo de "não incomodar" (demasiado) "a mão que nos alimenta" e "os poderes instituídos"? O que lhe parece?

      E para isto não é preciso incluir Bilderberg e Trilaterais ao barulho.

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    6. Pois, se quer que lhe dida, iv, não me parece nada. Não tenho grande apetência por teorias conspiratórias e gosto de utilizar a navalha de Occam.

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    7. Alexandre, qual das minhas afirmações é que "não lhe parece" verdadeira? Eu não estou a afirmar que existe qualquer conspiração. Estou a afirmar simplesmente que os interesses próprios dos orgãos de comunicação vão levar ao resultado que estamos a observar justamente sem necessidade de qualquer conspiração.

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    8. «Esse viés reflecte coisas que incluem o desejo de "não incomodar" (demasiado) "a mão que nos alimenta" e "os poderes instituídos"? O que lhe parece?»

      iv, não estamos a falar de verdade ou mentira, mas precisamente do que nos "parece". Foi essa a pergunta que me fez, de carácter retórico, aliás. Eu não sei se "esse viés" reflecte o que você diz. Você acha que sim, pronto.

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  2. Este tipo de artigos desagrada-me muito por natureza. É, desde logo, muito dificil explicar ao cidadão medio o que é o negócio offshore, o que são empresas offshore, porque são usadas, quais as diferenças entre as várias jurisdições, o que são jurisdições offshore e porquê (sendo que vários países têm diferentes critérios donde redunda que a lista de cada um seja diferente da do vizinho e aqui temos a titulo de exemplo a lista Portuguesa com 80 e qqrcoisa jurisdições a contrastar com a lista Espanhola que considera 33 jurisdições, a da OCDE considera 70, o FMI 52, etc, etc) e até que mesmo países que toda a gente acha impolutos (como Portugal) se constituem como paraísos fiscais para residentes de certos outros países.

    Sem prejuízo do que possa haver de verdadeiro nesta coisa, há certamente trafulhices aqui pelo meio tal como há muitas coisas que não o são. Porém estas notícias geram um alarmismo muito grande e um clima de caça às bruxas que, no fim de tudo, redunda em prejuízo para vários países, nomeadamente os mais pobres. É certo que tudo o que tenho lido por aí sobre o assunto, imprensa Portuguesa e estrangeira, tem sempre algures um dizer de salvaguarda alertando para que o uso de offshores nem sempre é ilegal, blablabla. Mas o que a opinião pública retém não é isso, de todo. Como, de resto, é natural que aconteça. É um assunto demasiado intrincado para ser tratado nos jornais.

    Isidro, a propósito do seu comentário permita-me aludir a uma sentença do Supremo Tribunal das Bahamas, em Nassau. Aconteceu isto na segunda metade dos 1990s. Não tenho totalmente presente mas algures entre 1995 e 1998. O IRS Americano descobriu um tipo que montou um esquema de fuga ao fisco e, para fazer a prova, pediu colaboração às autoridades Bahamianas. Como os factos descritos não constituem crime à luz da lei das Bahamas a colaboração foi, evidentemente, recusada. As autoridades Americanas recorreram e o Supremo em Nassau emitiu uma sentença que fez escola nestas questões, mesmo nos tempos actuais da lista negra da OCDE. A sentença não se limita a confirmar a recusa de colaboração pelos motivos evidentes pelos quais esta foi recusada. Vai mais longe. A dada altura entra numa arenga sobre a soberania das Bahamas que, mesmo sendo pequena, é soberana e tem o direito de ter no seu território as leis que melhor apraz ao seu povo, mesmo indo essa lei contra o vizinho que é o país mais poderoso do mundo. Esta asserção de independencia fez escola nos meios offshore. E os EUA ficaram a chuchar no dedo, naturalmente.

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    1. Obrigado pela observação. Quem quiser localizar esse caso entre os EUA e as Bahamas (1994-1999) só precisará de pesquisar, em lingua inglesa, a observação de Zuricher sobre este assunto.

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    2. Obviamente que eles podem ter as leis que quiserem. E a resposta óbvia, se não fosse o interesse em manter as coisas como estão, seria em tornar ilegal para os cidadãos (neste caso dos EUA) fazer negócios com eles.

      Sejamos claros: existem muitas razões legais para fazer negócios com offshores. Mas também existe um interesse legítimo dos estados em controlar os fluxos de capitais. Se as jurisdições offshore não quiserem participar nesse controlo, estão no seu direito. Mas os estados estão também no seu direito de ilegalizar as transferências de dinheiro para esses estados.

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    3. iv, os Estados podem legislar o que quiserem. Da mesma forma que os cidadãos podem fazer o que melhor servir os seus interesses, nomeadamente ir-se embora de armas e bagagens, levando o seu dinheiro e os seus investimentos e até mesmo renunciando às suas nacionalidades de origem. Tudo isto, aliás, está a passar-se em vários países do ocidente devido à pressão fiscal sobre os de maiores rendimentos. Os EUA têm batido recordes trimestre após trimestre de renúncias à nacionalidade Americana e até um pequeno país como Portugal está com um quantitativo anual de renúncias à nacionalidade Portuguesa perfeitamente desmesurado em relação à sua dimensão. Se nos ficarmos apenas pela saída do país em busca de paragens mais amenas.

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    4. Zuricher, claro que os cidadãos (pelo menos os que tem capitais e documentos para isso, e que não sejam refugiados Sírios) podem fazê-lo. A questão é que a maior parte deles só o irá fazer se os custos da mudança não ultrapassarem os ganhos (ao renunciar à nacionalidade esses ex-cidadãos estão também a renunciar a um conjunto de vantagens, nem que seja possuir um determinado passaporte aceite em muitos países do mundo, ou a facilidades em efectuar certos tipos de transacções). Mas obviamente devem ter a liberdade de o fazer, em consciência.

      A legislação é a principal forma que os estados actualmente usam para dirigir comportamentos. A ausência de legislação efectiva contra o uso de offshores significa que os estados actualmente não tem considerado suficientemente importante limitar a evasão fiscal dos que possuem mais recursos. Muito provavelmente vão continuar a não o fazer. Mas isso não quer dizer que essas acções não possam ser tomadas, não o são porque não há interesse em fazê-lo, não porque seja particularmente difícil, perigoso ou contraprodutivo fazê-lo.

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    5. iv, não estamos a falar em hipóteses. Tudo isto é já real há uma série de anos e está a aumentar vastamente. Como disse, as renúncias às nacionalidades em vários países, estão a aumentar e a bater recordes de sempre ano após ano. Faz-lhe confusão e aceito que faça. Mas é assim que acontece. Conseguir passaportes de jurisdições simpáticas e com facilidades de viagem para muitos países (incluíndo para a UE nalguns casos) não é particularmente dificil hoje em dia e nem especialmente caro. Renunciar a nacionalidades de países da UE ou mesmo à nacionalidade Americana é algo irrelevante. Eu diria até que, a longo prazo, pode ser prudente. Há passaportes de conveniência que não causam quaisquer engulhos e têm imensas vantagens.

      Em relação ao seu segundo parágrafo, não é verdade que a legislação sobre offshores seja a grande ausente. Pelo contrário, tudo isto tem vindo a apertar muito nos últimos 20 anos. Coisas que se faziam há 25 anos não podem fazer-se hoje em dia da mesma forma. Podem fazer-se doutras, mais complexas e muito mais caras devido precisamente ao apertar da malha que tem sido recorrente nos países ocidentais. Não sei qual a extensão dos Panama Papers e nem estou particularmente interessado em saber. Mas, para quem quiser dedicar-se a isso, um exercício interessante será comparar os esquemas que eram montados nos anos '70 e '80 com os que são montados hoje em dia e a sua evolução. A grande, grande mudança ocorre na década de '90 tendo vindo a ser refinada desde então na maioria dos países. Tudo isso evoluiu muito na sua complexidade e custo.

      Por fim, não é verdade que o apertar da malha fiscal não seja contraprodutivo, de todo em todo. Precisamente por causa do aperto da malha fiscal estão a sair legalmente - note, legalmente! - milhares de milhões de euros todos os anos de vários países Europeus. Isto não é fuga ao fisco nem nada que se pareça. É gente que se muda e muda todos os seus negócios, as suas familias, o seu consumo, as suas vidas inteiras para sítios onde a fiscalidade não é tão asinina. Sítios que perceberam que não é com vinagre que se apanham as moscas, correu e corre-lhes bem, e mantêm o rumo vencedor. França, no extremo oposto, está a sofrer as passinhas do Algarve por causa da brincadeira dum presidente que achou que bastava subir as taxas de imposto para ter mais receitas. É preciso ser-se muito burro para achar isto mas há bípedes assim. Há ainda uma outra ramificação que são os funcionários dessas empresas. Os mais baixos, pois desempregados ficam irremediavelmente. Os de topo têm por onde escolher. Há hoje em dia em França (e na Alemanha e em vários outros países) uma dificuldade muito grande em conseguir encontrar quadros de topo para uma série de profissões porque as pessoas recusam-se a ir viver para países com cargas fiscais tão elevadas. É, de resto, normal negociar os salários em termos liquidos e não brutos, pagando as empresas os impostos sobre o rendimento que corresponderiam aos seus funcionários o que, claro, encarece brutalmente os seus custos e, por corolário, torna mais barato simplesmente irem embora e montar os seus negócios noutros sítios.

      Fiz este detour pela fiscalidade precisamente porque aí é que está o fulcro da questão. Com uma fiscalidade amiga (algo que a Irlanda, Malta e vários outros países têm) capta-se negócio, captam-se depósitos bancários, capta-se emprego e emprego muito bem pago, captam-se impostos e taxas diversas. Em suma, melhora-se a vida de toda a gente. Não é preciso reinventar a roda. Basta tão somente olhar para o lado e ver o que funciona.

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    6. Gostei de lê-lo, Züricher. A verdadeira razão da existência dos "paraísos fiscais" (tradução errada em Português de "tax havens", e não "heavens") é a existência dos infernos fiscais.

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    7. Obrigado, Alexandre. :) Uma nota jocosa sobre o nome das coisas. O ordenamento jurídico Português, na sua infindavel sapiência, chama-lhes "países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis". Ora, sendo a legislação fiscal Portuguesa a tragédia que todos conhecemos não admira que haja 80 e tal jurisdições na lista. Inclui pérolas como por exemplo Jordânia, Uruguai, Brunei, Djibouti e até Porto Rico! Dadas as implicações que esta lista tem em termos duma série de impostos (incluindo absurdamente o IMI!), um Português que queira ir viver para estes sítios não tem outra alternativa senão renunciar à nacionalidade Portuguesa.

      De todas quantas conheço, a lista Portuguesa com as suas implicações, é - e de longe! - a mais estúpida.

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    8. Zuricher, não me faz particularmente confusão a renuncia à nacionalidade (que sempre houve) mesmo que unicamente por questões fiscais. Sei também que se essas atividades forem de tal forma significativas que afetem de forma relevante os estados, haverá reações por parte deles (a possibilidade de manter as mesmas condições de negócio/propriedade após ter renunciado à nacionalidade é algo que é permitido atualmente pelos estados ocidentais, mas obviamente se tal ocorrer em tal volume que afete significativamente o seu funcionamento tal deixará de ocorrer – isto não é uma ameaça, é simplesmente o relembrar de situações históricas semelhantes).

      Sinceramente parece-me que o que existe aqui é uma divergência ideológica de fundo: entre aqueles que aceitam que os estados tem o poder de determinar o que são ações legitimas dos seus cidadãos (incluindo no respeitante à propriedade de bens) e de quem pretende interagir (nomeadamente comercialmente) com estes, versus aqueles que consideram que os cidadãos devem ter o direito de determinar individualmente o seu comportamento e o que fazer com os seus bens sem qualquer intromissão do estado neste domínio. Esta segunda visão é particularmente apelativa para aqueles que possuem capacidades/posses suficientes para não serem geralmente constrangidos nas suas escolhas individuais exceto pela ação do estado.

      Como na realidade nunca será possível ter um estado efetivo que pratique indiscriminadamente a segunda visão, o que acontece é arbitragem por parte dos indivíduos que sigam a segunda visão (nomeadamente dos que tem posses suficientes para tal ser relevante) a tentar encontrar um estado com um nível considerado “aceitável” de intromissão nas suas ações. Desta forma muitos estados terão a tentação de apresentar níveis “desejáveis” para capturar os bens/investimentos desses indivíduos.

      Existem limites inferiores e superiores para esses níveis de intromissão: não é possível ter um estado com determinadas características sem um determinado nível mínimo de esforço fiscal... nem um nível de esforço fiscal tão grande que incentive a “fuga” em valores significativos dos seus cidadãos (embora esses limites sejam “suaves” e não abruptos).

      A discussão politica económica nos estados geralmente tem a ver com a determinação desses limites (com indivíduos a possuir ideias diferentes do seu valor – e deve ser dito que escolhas do estado sobre as características da sociedade afetam qualquer dos limites), e do posicionamento desejável da economia entre esses limites.

      Embora esta discussão seja mais visível em sociedades democráticas existe mesmo em autocracias... A “globalização” veio apenas tornar estas escolhas mais visíveis, ao tornar mais claros os limites à soberania individual dos estados. Mas é uma discussão, uma escolha do estado o seu posicionamento em termos de intromissão e onde colocar os limites, não é um dado do problema.

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    9. iv, não é uma divergência ideológica entre duas ideologias diferentes, ambas identicamente válidas. É, outrossim, pragmatismo versus ideologia. Aqueles que acham que os estados têm o poder de determinar isto e aquilo até ao infinito estão simplesmente errados. Todo o seu raciocínio parte dum erro de base; o de que os visados pelas determinações dos Estados ficam quietos e sossegados à espera de sofrer todas as parvoíces que os Estados lhes atirem para cima. Não, meu caro. Isto não acontece. Nem em economias muito mais maduras com um potencial de retorno sobre os investimentos superior, logo com maior latitude para estas brincadeiras quanto mais em chafaricas como Portugal. Houve agora, de resto, recentemente na Europa o caso de França com o êxodo de contribuintes de mais elevados rendimentos mas este foi apenas o mais falado. Tem havido vários outros pelo mundo fora e até está a começar a ocorrer a saída de sítios para onde se tinha ido há uns anos, sítios que eram apelativos e começam a deixar de o ser. O exílio fiscal (incluo aqui não apenas a mudança de residencia fiscal mas tudo o que daí decorre nomeadamente renúncias a nacionalidades e corte total de laços com o país de origem) é uma realidade há várias décadas embora esteja a ser cada vez mais real. Até porque o mundo é hoje em dia muito maior e mais vasto e as pessoas lidam mentalmente melhor com mudar de residência. A própria tecnologia permite faze-lo de forma muito fácil nos tempos que correm em relação ao que acontecia há 20 anos.

      No que toca às questões de propriedade, uns Estados penalizam a posse de imoveis por não residentes, outros não penalizam. Há ainda aqueles que distinguem entre cidadãos e não cidadãos e aqueles que usam ainda uma discriminação adicional entre residentes domiciliados e residentes não domiciliados. Portugal é dos que penaliza essa posse quando o imovel seja detido por residentes de territórios de tributação favoravel, sejam cidadãos Portugueses ou não, a tal listinha com 80 e qqrcoisa jurisdições. Nomeadamente, em sede de IMI, esses imoveis são tributados com uma taxa perfeitamente absurda (não me recordo de memória mas algo perfeitamente fora de tudo, género 10%) que efectivamente inviabiliza que os residentes nessas jurisdições detenham património imobiliário em Portugal. O que, convenhamos, dada a realidade Portuguesa, é algo perfeitamente tolo. Por isto (e por causa das implicações em sede de IRS) disse anteriormente que alguém que queira ir viver para esses sítios a única alternativa que tem é renunciar à nacionalidade Portuguesa. Não escrevi mas estava implícito que incluo aqui o corte total de laços com Portugal, ou seja, não ter qualquer propriedade em Portugal, qualquer depósito bancário, nada, absolutamente nada de todo em todo.

      A relevância de tudo isto vem precisamente em algo que o iv aponta. É que os que se vão embora são precisamente os de maiores posses e rendimentos. Aqueles que maior capacidade de investimento têm, aqueles que maior consumo têm, aqueles que maior capacidade de criar emprego têm, aqueles que mais contribuem para o erário público, etc, etc. E, claro, os estrangeiros com identicas possibilidades escolhem outras paragens para aplicar os seus dinheiros. Em suma, isto afasta precisamente aqueles que mais contribuem para a economia e para as finanças públicas o que leva a que o fardo seja dividido não apenas por menos pessoas mas dividido por um agregado financeiro menor.

      Uma vez mais repito: não é preciso inventar a roda. Basta tão somente deixar ideologias, princípios, valores e tolices afins de lado, olhar para o lado à procura do que funciona e os contextos em que funciona e aplicar. Apenas isto.

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    10. Zuricher, acho que está a considerar que os (decisores políticos dos) estados são mais estúpidos do que na realidade são. Obviamente que não se pode esperar que as pessoas fiquem paradas. Uma regra de base da economia é que os agentes reagem a incentivos. Claro que nem todas as pessoas são afetadas da mesma forma, nem todas reagem da mesma forma aos mesmos incentivos, (e nem todas sentem a mesma situação da mesma forma) mas claro que haverá (sempre) pessoas a mudar de estado por estas razões, e o posicionamento fiscal vai afetar esse número. É isso que determina o limite superior para a ingerência do estado que referi no post anterior. E em Portugal temos vastas experiências históricas de migrações, algumas (como a dos Cristãos Novos no Sec. XVI) por razões em parte semelhantes.
      Mas observe que à razão pragmática para um nível baixo de ingerência se opõe uma outra razão igualmente pragmática: um estado que não consegue cumprir o seu papel de gestor dos conflitos internos da sociedade e ser respeitado nas suas decisões não pode funcionar como estado. E uma das componentes da “legitimidade do estado” nas sociedades ocidentais inclui o tratamento igual dos cidadãos (que sempre foi mais uma aspiração / ideal do que uma realidade prática, mas de qualquer forma enforma a visão legitimadora do mesmo). Ora é a exigência deste tratamento igual é que determina parcialmente o limite inferior da ingerência.
      A tecnologia que permite a deslocalização a “baixo custo” dos indivíduos é a mesma que permite aos cidadãos dum estado conhecer até que ponto a “igualdade de tratamento”, nalgumas sociedades traduzida em igualdade de oportunidades, (não) está a ser um facto, e também a mesma que potencia retornos desiguais na sociedade em função de capacidades e contactos e o conhecimento dos valores nos outros países.
      Portanto, é normal que estejamos a ver no mundo ocidental a combinação de dois efeitos: o “levantar” do limite inferior, e o “baixar” do limite superior da ingerência. Mas o estado continua a poder determinar (não até ao infinito, mas dentro desses limites) a sua posição. A “globalização” está a diminuir as hipóteses de arbitragem, ao harmonizar de facto as posições devido a estas pulsões (e daí o efeito das mudanças dos expatriados – eles mudaram, mas os próprios países para onde mudaram estão a alterar-se por sua vez o que os leva ocasionalmente a ter de voltar a mudar).

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    11. iv, em tom mais ou menos jocoso, sim, essencialmente considero os governantes duma série de países, estúpidos e, o que é pior, cada vez mais estúpidos. A sua qualidade tem vindo a diminuir tremendamente até porque a política é cada vez menos interessante para quem quer que seja que tenha uma profissão e o que fazer da vida.

      Posto isto, adiante. O que diz nos seus dois parágrafos seguintes são constatações portanto resta apenas a conclusão e a acção em consonância com esta. Claro que o dinheiro, os conhecimentos, a formação, até mesmo a personalidade, etc, etc, são factores relevantes no sucesso que cada um tem na vida. É uma realidade de sempre. Mas se o Estado se puser a legislar demasiado e a interferir demasiado na vida das pessoas o que acontece é que precisamente os mais capazes são os que mais facilidade têm em ir embora ou montar esquemas para contornar essa orgia de loucura regulista. Apanhados na rede são, claro, aqueles que não têm como escapar.

      Nalguns países Ocidentais está a haver o levantamento desse limite inferior e estão a sair-se mal. É o caso de Portugal que depois dum rumo adequado ao seu contexto está agora a voltar atrás. Outros, porém, estão a baixa-lo, como acontece com Malta, Irlanda e até mesmo Dinamarca ou Finlândia com óptimos resultados. Malta é, aliás, um país onde várias coisas muito positivas estão a acontecer muito rapidamente e as ilhas a progredir a olhos vistos tanto ao nivel produtivo como ao nivel de residencia para Europeus fartos de Estados atrevidos. Não é, de todo, certo que a globalização esteja a diminuir as hipóteses de arbitragem. Bem o oposto, aliás. A globalização está a abrir mercados, está a abrir mundo que anteriormente não o estava e boa parte desse mundo está precisamente a aparecer em cena com limites muito baixos para a ingerência dos Estados na economia e na vida dos cidadãos. É, de resto, o que estão a fazer os países do Leste Europeu entre vários outros. As diferenças entre os países mínimos e os países máximos são maiores neste momento do que eram há 30 anos. E isto para não falar do resto do mundo onde, literalmente, o chão é o limite. Quando falei em segundas mudanças estava a pensar num caso específico, Inglaterra, com as mudanças que está a começar a levar a cabo na legislação sobre non-doms e que começa a ter efeitos. Agora, há jurisdições que se mantêm iguais há décadas. Nomeadamente várias das Caraíbas e América Central que, se alguma coisa, têm hoje em dia mais concorrência doutras iguais a elas. O que eram as Bahamas há 50 anos, são hoje em dia vários outros países da região. E, de resto, quem se muda de Londres por causa das alterações que começa a haver, não vai viver para França ou para Portugal. Vai viver para sítios com condições melhores, evidentemente. O mercado imobiliário em vários pontos desse mundo melhor está em boom alucinado e não é casualidade. Sem ir longe, passou-me pelos olhos esta manhã uma casa nas Bahamas, em Green Turtle Cay, por US$2.7M. Essa casa pouco mais é que um barraco com esteroides. Mas ela será vendida, até porque o seu preço está próximo do limite inferior do que se pratica por lá em imobiliário para ocidentais. Tudo isto está a ser alimentado essencialmente por Americanos e Europeus que se mudam de armas e bagagens para estes sítios. Está a construir-se hoje em dia nas Bahamas, em Turks, em Antigua e em St Kitts a uma velocidade como nunca antes e vendem-se casas a preços perfeitamente alucinantes. Isto acontece precisamente porque há muita gente que está efectivamente a mudar-se para estes sítios.

      All in all podemos teorizar o que quisermos sobre função do Estado, formas de financiamento do Estado, limites para a ingerência do Estado, etc, etc que a realidade acaba por ser apenas uma: o Estado só pode ir até onde os de mais posses lhe permitirem que vá. Daí para diante fica a falar sozinho, a cobrar impostos de confisco ao vento e a legislar para as paredes. Em prejuízo de todo o resto da sociedade, principalmente dos mais fracos, claro.

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  3. O NYT, na edição em papel, trazia uma segunda página envergonhada com o tema com a foto do Porochenko. Estou com o Zuricher. Uma coisa são autoridades judiciais investigarem e levarem a julgamento a prática de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, e os jornais darem disso notícia. Outra coisa são jornalistas com pretensões de substituir autoridades judiciais, vangloriando-se da prática de crimes a que eufemisticamente chamam fugas de informação, atirando nomes para a fogueira, uns culpados da prática de ilícitos outros não, com o objectivo de alimentar o seu negócio e satisfazer objectivos políticos determinados. Não. Não vale tudo. Este utilitarismo, presunçoso e iluminado, é meio caminho andado para a barbárie.

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  4. Portugal parece que ficou alvoroçado com estas revelações. O país "real" e o país artificial preocupam-se muito com a possibilidade de ter havido lavagem de dinheiro e fuga ao fisco. Só é curioso que não se preocupem do mesmo modo quando há certas personagens estrangeiras a fazerem investimentos em Portugal, chegando mesmo a serem convidadas pelo primeiro-ministro a investirem na banca portuguesa (como se aquilo fosse dele, já agora). Não: grave mesmo, é o violoncelista amigo do Putin e o Leonel Messi.

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