sexta-feira, 8 de abril de 2016

Ruído

O Gabriel F. Silva, no Blasfémias, acha que a Ministra Maria Manuel Leitão Marques diz que o cartão de cidadão tem os "registos do depósito do salário". Será que é verdade, pergunta ele? Note-se que o jornalista da Lusa que escreveu a notícia, recebeu a informação de forma oral, logo coube a essa pessoa a tarefa de pontuar as citações da Ministra e de as transmitir, na sua escrita, de forma a que a notícia fosse fidedigna ao que a Ministra disse.

O Gabriel acha que a sua interpretação do que o jornalista escreveu é a verdade absoluta, não há lugar para erro; mas quando leio a frase, leio uma verdade diferente. Em primeiro lugar, acho um bocado redundante que o banco que recebe o salário da pessoa e tem a prova de depósito do mesmo, queira ver o cartão de cidadão para supostamente aceder aos registos de depósito do salário. Faria mais sentido que o banco exigisse uma carta notarizada do patrão da pessoa a dizer que tem emprego e quanto recebe -- mas, esperem, a notícia é acerca do comprovativo de morada, não é sobre o comprovativo de depósito de salários.

Concedo que o mundo não seja racional e o problema esteja em mim, dado que o meu tipo de personalidade no teste de Myers-Briggs é INTJ, i.e., pessoas obcecadas pela racionalidade e deficientes emocionalmente. Para além disso, como insinua a Ministra, o problema é mesmo um de redundância de informação. Eu leio que a Ministra quis dizer que "essa informação" refere-se à morada da pessoa e que "essa informação" também está contida na prova do rendimento que é depositado na conta bancária do portador do cartão de cidadão. Mas vejam lá o que ela disse e como a frase foi organizada pelo jornalista:

Um bom editor de cópia teria lido isto e pedido ao jornalista para clarificar a frase. E é por isso que os americanos aconselham as pessoas, cuja audiência é o público em geral, a escrever ao nível de alguém que tenha apenas o oitavo ano de escolaridade: usem-se frases curtas e claras para minimizar o ruído.

Lembram-se do que era o ruído? O ruído é tudo o que impede que a mensagem seja compreendida. Eu aprendi isso do ruído nas aulas de Português do primeiro ano do ciclo preparatório (quinto ano, agora). Já sei, o meu cérebro é um bocado marado e eu tenho uma certa fixação por detalhes supostamente parvos. É a minha personalidade...

Conflito de interesses: a Ministra foi minha professora na cadeira de Direito Económico da FEUC, no entanto, acho que nunca falei para ela. Reprovei à cadeira e só passei à segunda vez, logo a pessoa da Ministra é-me completamente indiferente. De resto, detesto Direito, não percebo nada daquilo, e as leis são mal escritas. Eu, com muito mais do que o oitavo ano, não as compreendo.

10 comentários:

  1. Eu não acho que o tal Gabriel tenha a certeza de tudo, pelo que consegui ler. E daí o "será verdade?" Quedou-se intrigado, como eu.
    Se presumirmos que o jornalista é iletrado ou afectado por uma qualquer disfunção cognitiva, entendimento minguante ou défice de atenção, e excluirmos o acrescento "quando o cartão do cidadão tem essa informação e até" como um juízo próprio do jornalista revel às palavras da Ministra, talvez a coisa faça, então, sentido, como reserva a cara Rita!!
    Todavia, e fora a tal presunção contra o jornalista, a notícia torna-se verdadeiramente insólita e intrigante!!

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  2. não sou eu que «acha que a ministra disse», é o jornalista que diz que ela o disse. É textual, nem é questão de interpretação, está lá escrito.
    E eu questiono se tal é verdade (o que ela disse e/ou se o disse). Nada mais.

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    1. Gabriel, dizes-me no comentário que não achas que a Ministra tenha dito isso; mas o teu post diz que a Ministra o disse -- nem sequer dizes "De acordo com uma notícia do DN, a Ministra disse o seguinte..." Tu dizes no post que ela disse uma citação que nem é dela, logo a tua frase inicial é falsa.

      Não é verdade que a ministra tenha dito aquilo, pois o jornalista construiu a frase usando excerptos do que a ministra disse. E como não sabemos qual o discurso completo da Ministra, não podemos ter a certeza de que a intenção dela era a que tu lhe dás. A ministra estava a falar de meios em como provar a sua morada. Em mais nenhuma parte da notícia se mencionou em como obter provas de rendimento. Imagina que o jornalista tinha escrito "e até a tem" antes da citação da ministra, o que tornaria a frase na seguinte:

      <<"No banco chegam a pedir a prova da morada, o recibo de eletricidade”, quando o cartão de cidadão tem essa informação e até a tem “a prova do rendimento que é depositado todos os meses no banco”, exemplificou.>>

      Eu acho que "até a tem" está implícito na frase, pois de resto não faz qualquer sentido no contexto da notícia. Se retirasses "o cartão de cidadão" da frase, ela continuaria a ter sentido:

      <<"No banco chegam a pedir a prova da morada, o recibo de eletricidade”, quando tem essa informação “a prova do rendimento que é depositado todos os meses no banco”, exemplificou.>>

      Ou seja, “a prova do rendimento que é depositado todos os meses no banco” não é o complemento directo de "o cartão de cidadão", e isto é uma condição necessária para a tua interpretação fazer sentido.

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    2. Pois, no contexto dá-me a ideia que faltava uma virgula entre "essa informação" e "e até".

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  3. A Rita está a marear sem bússola!!
    O Gabriel, tal como eu, ficou intrigado. O assunto é pertinentíssimo, especialmente quando interseccionado com o Simplex, que a maioria das pessoas depreende por desenvolvimento informático da administração pública. Acesso a informação concentrada, entenda-se!! No meio do ruído, como refere a rita, poder-se-ia dar o caso de ser propósito que o cartão do cidadão pudesse passar a disponibilizar tais informações na memória!! O texto da notícia leva-nos a esta leitura. A posta do Gabriel confessa alguma incredulidade.
    Quedo-me tão incrédulo como o Gabriel, tanto mais conhecendo a reputação, como jurista, da Manuela Leitão Marques!!

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    1. É uma questão de gramática. A frase é complexa e eu não sei os termos técnicos todos de gramática para classificar todos os elementos. No entanto, posso clarificar a minha lógica.

      O verbo liga o sujeito e o complemento directo. Para o Gabriel ter razão, era preciso que "o cartão de cidadão" fosse o sujeito de dois complementos directos: de "a prova de morada" (que também é referida como "essa informação") e de "a prova de rendimento".

      Não há verbo entre "o cartão de cidadão" e "a prova de rendimento", logo isso indica-me que "o cartão de cidadão" não pode ser o sujeito de "a prova de rendimento". Somos então remetidos para o posicionamento do verbo que existe (tem), que se subentende ser relevante para "a prova de rendimento", e esse verbo está entre "prova de morada"/"essa informação" e "prova de rendimento", logo "prova de morada"/"essa informação" tem de ser o complemento directo do sujeito "prova de rendimento".

      Não estou a marear sem bússola. A gramática não tem ideologia.

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  4. Cara Rita, foi também aluna da FEUC? Também eu fui em teoria aluno da Prof. Maria Leitão Marques. Na prática, só falei com ela depois de um exame, mas não tenho uma má impressão, no global, quanto à competência dela.

    Mais a propósito: relendo, penso apenas que ela queria dizer que os bancos por sistema pedem uma declaração da entidade patronal sobre o salário, mesmo quando este já é lá depositado. Aconteceu-me, ao fazer um crédito.

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    1. Olá, há várias pessoas da FEUC no nosso blogue: eu, o Zé Carlos, o FAlex, e o LA-C, que eu saiba. O resto desconheço. Eu e o FAlex entrámos em 90, o Zé Carlos antes, e o LA-C depois.

      Continuo a achar que a frase não pode ter esse sentido. Imagine-se que eu escrevo "Satélites tem Marte e até Saturno." Será que eu estou a dizer que Marte tem Saturno? Não faz sentido nenhum dar essa interpretação a essa frase e a construção é semelhante à que o jornalista usou no artigo.

      Agora, poder-me-iam dizer que é do conhecimento geral que Saturno não é um satélite de Marte, mas os textos jornalísticos são escritos partindo do princípio que a pessoa consegue entender o fulcro da notícia lendo a mesma e não sendo necessária informação factual à priori. Mas o meu "curso" de jornalismo é americano, não é português.

      Obrigada pelo comentário :-)

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    2. Rita, podia dar-se o caso de Satélites ser um clube de futebol que tinha acabado de contratar os jogador Marte e, até, o jogador Saturno! Pode também querer significar que tanto Marte como Saturno têm satélites, apesar do advérbio fazer mais sentido quando empregue em relação a marte, uma vez que é naturalmente estranho, pela sua dimensão, que aquele tenha satélites, mas, de facto, até marte tem satélites!! Contudo, jamais retiraria da frase que marte tem saturno!!
      Ainda não consegui perceber o que é que a Rita está a tentar demonstrar!!

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    3. Se Marte não tem Saturno, então o cartão de cidadão não pode ter as provas de rendimento, pois a construção gramatical das duas frases é semelhante.

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