Padeço daquilo que os anglo-saxónicos chamam o professional hazard. Basicamente, a minha linha de negócio é a criação, e diria até, a alimentação, de mercados em ambiente de laboratório. Tipo tamagotchi. E, por isso, dedico mais tempo do que devia a pensar no que são realmente esses mercados: os que precisam de criação, e os espontâneos, nos quais os primeiros se tentam basear. Durante muito tempo, a minha maior surpresa tinha que ver com o generalizado desconhecimento que a maioria das pessoas parece exibir sobre o funcionamento dos mercados, inclusivamente dos mercados onde elas participam como compradoras ou vendedoras. Ultimamente, a minha questão é mais se esse mesmo desconhecimento não tem consequências no próprio funcionamento dos mercados (e não devia, por isso, ter consequências na maneira como os estudamos, para não acabarmos nós por ser aqueles que realmente os desconhecem profundamente). Mas, para economia de tempo, vou-me focar apenas no primeiro ponto.
Um exemplo que me tem sido próximo, em parte por ter uma casa em Lisboa e não saber ainda bem o que lhe fazer, é o do mercado imobiliário. Do que me é permitido observar, é extremamente comum que potenciais compradores façam chegar ao dono da casa não só o valor que propõem, mas também a descrição detalhada do porquê de lhe oferecer esse valor em concreto. Há várias abordagens para essa descrição. A mais popular é a contabilística, que consiste em dotá-lo da detalhada soma aritmética dos custos que a pessoa em causa teria de incorrer para tornar a casa naquilo que ela quer. Outra, também popular, é da abordagem da salvação, que consiste em dar-lhe conhecimento de tudo aquilo que aquela pessoa, ao ao disponibilizar-se para lhe comprar a casa, o está a livrar de: já reparaste bem que a casa não tem elevador, ou garagem?; e a quantidade de turistas na ruas? Ui, um horror.
Todos estes fatores, intrinsicamente subjetivos, ou são irrelevantes para o vendedor, ou jogam contra o comprador. Como vendedor, basicamente devia-me preocupar com duas coisas: encontrar a pessoa que está disposta a pagar mais pela minha casa, e saber quanto é que a segunda pessoa que mais quereria pagar pela casa está disposta a dar. Se eu for um bom vendedor, a primeira pessoa ficará com a casa, e pagará pelo menos o valor da segunda (e sim, tão próximo como possível do valor da primeira).
Ora, saber que um potencial comprador terá de incorrer em custos avultados para transformar a casa naquilo que ela quer, ou que acha terríveis certos detalhes da casa, o que me diz? Se eu acreditar nele, diz-me que é improvável que aquela pessoa seja a que tem maior valor para a minha casa, pelo que me tornará menos, e não mais, interessado em vender-lha. Se eu não acreditar nele, e ele for mesmo a pessoa que quer pagar mais, a informação que ele quer passar é-me irrelevante porque a premissa inicial é que eu não acredito nele. Por fim, se eu achar que aquela pessoa é, ou está próxima de ser, a segunda pessoa com maior valor para a casa, a informação pode ser-me útil como vendedor - mas a sua disponibilização é inútil para o potencial comprador.
No entanto, estas práticas são muito comuns, pelo menos em Portugal. Os potenciais compradores fazem-no abundantemente, e os vendedores são influenciados por isso. O porquê seria então assunto para outro post.