domingo, 5 de junho de 2016

Masculinização

Esta semana encontrei no Facebook uma citação de João César das Neves (JCN), de 2014, a propósito da degradação da família e da queda da natalidade, em que ele disse que mulheres que são emancipadas ficam masculinizadas. Fiquei tão chocada, que dentro da minha cabeça ouvi um grande grito "FODAAAAAA-SEEEEE!" Depois olhei para as minhas mamas, que na Intimissimi de Portugal são 34E, e pensei: "Não sei o que é que isto tem de masculino, a não ser que eu agora seja drag queen. Eu juro que não dei conta da transformação..."

Primeiro, vamos à asserção inicial acerca da "masculinização". Não percebo muito bem a implicação do que JCN disse porque poderia ser interpretado de muitas formas. Será que ele pensa que por a mulher trabalhar fora de casa, ela se torna menos atractiva ao homem--usa calças mais vezes? Isto recorda-me a citação da Susan Sontag: "What is most beautiful in virile men is something feminine; what is most beautiful in feminine women is something masculine." Como Sontag é bissexual, talvez os economistas conservadores portugueses não achem a opinião dela pertinente. Na minha opinião, não há assim tanta mulher que trabalhe fora de casa e que seja solteira porque não atrai homens.

Ou será que a mulher masculinizada se interessa mais por sexo pelo prazer do sexo? Mas se é um traço masculino que os homens se interessem mais por sexo recreativo em vez de sexo reprodutivo, será que as mulheres para se tornarem mais femininas deveriam engravidar à revelia da vontade dos homens? O que é feminino é encarar o sexo como um desporto de caça ao espermatozóide?

Mulheres masculinizadas que tiram a pica toda aos homens! (Fonte: Elope in Paris)

Talvez "masculinização" se refira à atitude e, nesse sentido, os homens se sintam desencorajados de iniciar relações com mulheres que sejam mais auto-confiantes. O preconceito popular antigo dizia que havia mulheres para casar e mulheres para dar facadinhas no casamento: as que eram para casar eram mais comedidas, submissas, bem-mandadas; já as mulheres das facadinhas eram mais aventureiras, mais interessantes de seduzir, qual animal selvagem que se levava para a cama. Era o Marco Paulo e os seus dois amores e, agora que penso, não vejo qual o dilema dele: casava-se com uma e tinha a outra como amante e estava o caso arrumado, não era assim que se fazia antigamente? Agora é muito mais difícil dividir as mulheres nestes dois grupos porque a mulher actual tem características de ambos estes protótipos; mas sempre houve homens com tendências de domadores de mulheres bravas.

No artigo no Observador, o LA-C fala da participação dos homens na educação e crescimento dos seus filhos e na divisão de tarefas no lar, e dá o exemplo do equilíbrio dos papeis dos homens e das mulheres nas tarefas de casa, pois ao ser maior cria-se na mulher mais confiança de que ter um filho com aquele homem é uma boa decisão. Concordo com esta ideia e até digo que pode haver homens que apreciem a inversão dos papeis tradicionais. Nos EUA conheço pelo menos três casais com esse sistema. No casal mais velho, casados há volta de 15 anos, ele ficou em casa a tratar da filha e das tarefas domésticas -- é também ele quem cozinha e trata da administração do lar, mas ela trata da decoração porque não gosta do estilo dele --, enquanto que a esposa é que fez carreira em upper-management. Numa conversa com ele, disse-me que nunca tinha pensado que iria adorar tanto a experiência de cuidar da filha e de poder vê-la crescer de tão perto. Já na esposa, quando converso com ela, noto um conflito interior por não participar em tantas actividades da filha como gostaria. E, no fim, a mãe acaba por ser a figura autoritária da família, um lugar que muitas vezes, num casal, seria reservado ao pai que seguia uma carreira profissional.

Em conversas com amigos que são homens descomprometidos portugueses, já com bem mais de 30 anos, pergunto-lhes porque nunca se casaram ou não têm namorada. Para além de dizerem que não tinham encontrado a mulher certa, mais do que um me disse que não estava disposto a envolver-se com mulheres com filhos de outros homens. Na minha rede de amigos, tenho apenas um casal em que ela tinha filhos de outro casamento e ele não; ambos têm casamentos anteriores que deram em divórcio. Tenho também várias mulheres que têm filhos e são divorciadas, mas não têm outro companheiro e quando converso com elas noto que é difícil encontrar homens com quem manter uma relação; no entanto, elas falam do seus antigos maridos e estes já não são solteiros.

É, então, mais comum encontrar-se mulheres sem filhos que se envolvem com homens com filhos de outras mulheres do que o inverso. Este fenómeno é bastante pertinente do ponto de vista biológico e pode contribuir para que as mulheres acabem por ter menos filhos do que seria desejável para a sociedade portuguesa. Irei explorar esta hipótese noutro post.

6 comentários:

  1. Interessante. O que dizes no penúltimo parágrafo também reflete a minha experiência e a de amigos. É provável que seja um de vários mecanismos interessantes que ajudam a explicar a baixa taxa de natalidade, sim. Nisto, e provavelmente só nisto, sou bastante conservador. Acho que há uma quebra na confiança entre as pessoas por causa de um enfoque obsessivo no indivíduo. Acho que o amor é quase impossível na sociedade moderna ;)

    ResponderEliminar
  2. Seria curioso ver os números, e ao longo do tempo. Durante séculos, por causa da curta esperança de vida (e, em especial, das mortes no parto), os segundos casamento eram muito frequentes (basta ver as biografias de quem tenha direito a biografia). Não estou nada convencida de que se trate duma modernice. O que é uma mdernice, penso eu, é a ideia, sequer, de que homens conseguem criar crianças pequenas sozinhos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Segundos casamentos de homens. As mulheres não tanto (até porque, como referiu, morriam no parto). A tese da Rita parece-me ser que os homens sem filhos tendem a não querer casar com mulheres que já tenham filhos, o que, por sua vez, tem o efeito de reduzir a propensão das mulheres para terem filhos (como forma de minimizar o risco de ficarem sozinhas).

      Eliminar
    2. "tem o efeito de reduzir a propensão das mulheres para terem filhos (como forma de minimizar o risco de ficarem sozinhas)."

      Não estou muito bem a ver uma mulher, numa relação, a pensar que é melhor não ter filhos do seu amado porque, calhando, a coisa não vai funcionar e se ela tiver filhos quando se separarem, já não vai ter uma segunda hipótese.

      Já a possibilidade de as mulheres terem menos filhos do que poderiam ter porque ao terem filhos duma primeira relação já não têm uma segunda, isso sim, parece-me plausível.

      Dantes as mulheres morriam de parto, mas os homens morriam na guerra (e também de morte macaca, que os homens são mais frágeis que as mulheres). Por outro lado, penso que o casamento tal como o entendemos actualmente é uma coisa muito recente e há não muito tempo atrás tudo se jogava à volta dum contrato entre pessoas ou famílias. Por conseguinte, uma viúva podia ser um bom partido mesmo com filhos (a imagem da viúva rica é um clássico, mas, curiosamente, nunca se fala em filhos). Mas também podia dar uma de Ferreirinha (wiki: "Ficou viúva muito nova (33 anos), a viuvez despertou nela a sua verdadeira vocação de empresária.")

      Para mim há uma coisa que me parece uma melhor explicação para a baixa natalidade: a MÉDIA da idade da mãe ao primeiro filho era em 2014 30 anos. Quer dizer que as mulheres estão a ter filhos numa idade em que a fertilidade está a baixar, e de que maneira. (OK, a questão seguinte é, provavelmente, o que é que as faz ter filhos tão tarde).

      Eliminar
  3. Ah, não tinha lido tudo! A Ferreirinha casou segunda vez, com o administrador. Mas, bom...

    ResponderEliminar
  4. Onde a Rita foi procurar... Com César das Neves está tudo à vista do beatão e de mais ninguém.

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.