quarta-feira, 8 de junho de 2016

O estranho mundo do Marketing

Na lista de indignações desta semana encontramos a Casa D´ João Enes, em Viana do Castelo. A Casa D' João Enes tem uma política de não aceitar homossexuais. Sendo um estabelecimento que se descreve como "casa tipicamente minhota do início do sec. XVII", parece-me coerente, que toda a gente sabe que no século XVII não havia cá dessas poucas vergonhas. O seu proprietário, Paulo Bandeira, diz que exclui quem quiser e eu concordo; se ele quiser apostar no segmento da homofobia, é uma opção a que tem direito. Eu visitei o site e ocorreu-me que aquele pequeno hotel de 13 quartos seria o sítio idílico para um congresso do PNR, que os seus militantes não são muitos e a maioria está emigrada em França.
No entanto, a coisa tornou-se um bocadinho incompreensível quando li o seguinte aviso: "Estimado hóspede, caso se encontre numa das quatro situações abaixo indicadas, queira fazer o favor de não prosseguir com a sua reserva, ou de a cancelar caso a mesma já tenha sido concretizada, sob pena de ser vedada a admissão às nossas instalações: adeptos de futebol; frequentadores/adeptos de festivais de música de verão; gays e lésbicas; consumidores de estupefacientes e quaisquer substâncias psicotrópicas." Eu bem sei que novamente são categorias inconciliáveis com os anos de 1600 e que o hotel não comporta muita gente, mas creio que o Paulo Bandeira acabou de esvaziar o seu mercado.

18 comentários:

  1. Ehehe. Estou-me a rir porque pensei logo num amigo que cumpre as quatro categorias. O que deverá ser mais difícil é encontrar alguém que não cumpra pelo menos uma.

    Realmente, parece-me que o senhor Paulo Bandeira reduziu o seu mercado a Cavaco Silva e Pacheco Pereira. Portanto, em vez de um congresso do PNR, podia reproduzir-se um congresso do PSD dos anos 80.

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  2. Parece-me lícito que cada um estabeleça as regras de acesso ao seu comércio que lhe apeteça. É engraçado que essas coisas só são notícia quando alguém decide privar de acesso alguma minoria. Nunca vi tal coisa referida ao oposto, ou seja, espaços para minorias (ou fracos em geral) que vedam o acesso a maiorias. Há um ginásio em Lisboa que só permite acesso a mulheres. Há em Paris um bar gay que proíbe o acesso a mulheres. Procurando não tenho quaisquer dúvidas que encontraria centenas de exemplos deste género.

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    1. Zuricher, como se sentiria se um café proibisse o acesso a negros?

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    2. Acho que o ponto do post não era criticar as regras; era mais observar que elas afectam tantas pessoas em Portugal que o gerente reduz o seu mercado a muito pouca gente. Só a de adeptos de futebol e frequentadores assíduos de festivais de verão é quase Portugal inteiro...

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  3. Problema do dono do café. Repare, Luís, eu não poderia hospedar-me nesta casa de Viana do Castelo. Mas ainda assim defendo o direito do seu proprietário a dispôr as regras que achar adequadas ao seu estabelecimento.

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    1. A meu ver, Zuricher, o problema que tenho com a defesa desse tipo de posições, é que depois se torna difícil argumentar contra regimes como o do apertheid. E sim, sei que o apertheid incluia a esfera do estado e não apenas a esfera privada, mas é mesmo essa a fronteira que aceitamos estabelecer para o racismo?

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  4. A mim só me faz confusão que nunca ninguém tivesse pestanejado (que eu saiba) relativamente aos vários hotéis de British persuasion que não aceitam crianças (OK, agora precisava de encontrar exemplos concretos, que não conheço, mas o próprio artigo refere-os sem os nomear).

    Bem, talvez me faça ainda mais confusão esta citação da Catarina Marcelino, Secretário de Estado da Igualdade: "Pode sempre ser feita uma queixa à Comissão de Igualdade de Género (CIG). Porque uma discriminação com base na orientação sexual é também uma discriminação de género."

    Agora, quanto ao Sr. Paulo Bandeira, tudo pode acontecer: ou esvaziou o seu mercado ou encheu-o dos hóspedes que pretende. O mundo é grande e variado.

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    1. Interessante focar os espaços que não aceitam crianças, Isabel. Sou fã! Tanto hoteis como restaurantes como companhias aéreas. Se no que precisar tiver a opção dum sítio sem crianças é um factor importante para a minha escolha.

      Entendo que todos já fomos crianças, que todos chorámos, todas essas coisas. E também entendo que haja quem tem filhos pequenos e que os miúdos têm os seus choros, as suas birras, enfim, são miúdos e tudo isso é natural e normal. Agora, também há aqueles que, como eu, não têm paciência para estar a aturar os filhos dos outros. Daqui que saúde fortemente os sítios onde não são aceites crianças e, como digo, é para mim um ponto positivo quando escolho.

      A terminar: a citação dessa senhora secretário de estado é do mais homofóbico que já vi, ao nivel da política do governo Iraniano que trata a homossexualidade como uma questão de identidade de género e não como o que é. Dou por certo que a intenção da senhora seria exactamente a oposta mas dito dessa forma, além de ser uma frase parva é do mais homofóbico possivel.

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    2. Do mais homofóbico possivel, como no Irão. Aliás já estão a preparar apredejamentos a fuzilamentos aos homossexuais. É isso, zuricher?

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    3. No Irão a homosexualidade é vista como uma questão de errada identidade sexual e, por esse motivo, o Estado financia parcialmente as operações de mudança de sexo a homosexuais que são, na practica, obrigados a faze-las. É precisamente por este motivo que o Irão é o país do mundo que mais operações de mudança de sexo a cidadãos nativos realiza. O governo iraniano diz mesmo que não há homosexuais no Irão mas tão somente pessoas com o sexo errado e que são heterosexuais.

      A pena de morte no Irão nestes casos - por enforcamento, não fuzilamento nem apedrejamento -, embora rara, já foi aplicada mas não é pela homosexualidade em si. É pelo crime de sodomia que pode ser punida com pena de morte, chicotadas ou prisão. A questão é ainda mais complicada tanto pela questão da prova que nos tribunais islâmicos e para crimes sexuais tem uma série de requisitos como porque o governo Iraniano tem usado a questão da sodomia também como arma de repressão política o que leva a que seja dificil distinguir exactamente onde está a verdade e se a pessoa está a ser executada por sodomita ou se isso é apenas uma desculpa.

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  5. A esfera pública é a esfera pública e aí há realmente que ter alguns cuidados mais. Em "esfera pública" incluo não apenas os serviços directamente prestados pelo Estado como aqueles prestados por privados por conta do Estado. Ainda assim cuidando também de não cair no extremo oposto de dizer que todos são iguais e tratar tudo da mesma maneira o que, na maioria dos casos, redunda em discriminação mas ao contrário.

    Na esfera privada há um valor que sobreponho a todos os demais que é cada um poder organizar a sua vida e os seus negócios como melhor lhe aprouver. Os donos desta casa de Viana do Castelo dispõem as regras que dispõem. É problema deles. Os clientes naturalmente pronunciam-se sobre o assunto com a carteira. Os donos sentirão no seu bolso se a sua política é vencedora ou não e, sendo-o podem mante-la, não o sendo ou fecham ou alteram ou fazem o que quiserem. Mutatis mutandis para o dono do hipotético café que o Luís nos trouxe. Algo que, aliás, já aconteceu e acontece. Em vários países Caribenhos, resorts vários tiveram que alterar as suas políticas de admissão devido a boicotes vários que se refletiram nas suas receitas. Se não tivesse tido este reflexo teriam mantido a conduta anterior. E, pela parte que me toca, qualquer das duas coisas, encantado da vida.

    Note, Luís, pelas regras que tem, eu não poderia hospedar-me nessa casa em Viana do Castelo. Ok, tudo bem, sem problemas. O meu dinheiro é igualmente bom na hospedaria do lado. Não fico sem dormir, isso lhe garanto.

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  6. Meus caros, nada disso se compara com a designação excepcionalíssima que a nova lei PMA vem inaugurar. O caso de "parentalidade" (nóvel designação discriminatória e ficcionada que não distingue a maternidade de paternidade...espero que alterem a constituição) ignorada. Quando à notícia de um nascimento se segue o estabelecimento da maternidade pela menção de quem pariu, segue-se (seguia-se) o estabelecimento da paternidade pela presunção ou perfilhação e na ausencia de uma e de outra a investigação oficiosa com o consequente estabelecimento da patermnidade por via judicial. No caso da PMA excepciona-se a coisa e lavrando-se o nascimento com a maternidade estabelecida, no caso da mulher não ser casado ou união de facto ou sendo-o não exista consentimento do marido ou unido de facto, sem necessidade de ulterior averiguação oficiosa da "parentalidade". Extraordinário!!!
    A constituição reconhece o direito à identidade pessoal de onde se retira uma série de coisas menores como o direito a ver estabelecida a filiação de acordo com o princípio da verdade biológica. A constituição proíbe qualquer menção discriminatória no estabelecimento da filiação, contudo ficciona-se que a parentalidade não será discriminatória face à tradicional maternidade e patermnidade. Uma magnífica ficção que atropela direitos que em ponderação por um petiz de 9 anos ficariam graduados à frente do direito a qualquer coisa porque me apetece e quero mesmo muito!!

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  7. Já ninguém é Charlie?

    Vivemos num país livre ou não? Temo o direito de proibir tudo aquilo que nos incomoda? Um indivíduo tem direito a ser racista, xenófobo, machista etc na sua esfera privada ou deverá o Estado restringir a liberdade do indivíduo nesse campo?
    E deverá um estabelecimento comercial privado poder restringir o acesso segundo algum destes critérios?
    Atualmente a situação prática mais próxima que conheço são alguns estabelecimentos de diversão noturna que estabelecem um preço de entrada muito elevado por exemplo 200€ mas que depois cobram valores muito mais baixo a não ser que pretendam desincentivar a entrada a indivíduos ou grupos que consideram indesejáveis segundo os seus próprios critérios.

    Acho que é uma discussão interessante e que dá pano para mangas. É pena que em Portugal não exista o hábito de a sociedade civil discutir este tipo de assuntos em profundidade ficando-se um pouco pelo pensamento único mediático e pela cadência rotineira das indignações a la carte via facebook.

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    1. "Um indivíduo tem direito a ser racista, xenófobo, machista etc na sua esfera privada ou deverá o Estado restringir a liberdade do indivíduo nesse campo?"

      O estado não deve proibir ninguém de ser racista, etc.

      "E deverá um estabelecimento comercial privado poder restringir o acesso segundo algum destes critérios?"

      Não.

      Esta falsa contradição foi resolvida nos Estados Unidos, por exemplo, nos anos 50 e 60, quando o governo impediu estabelecimentos comerciais, ensino, etc, de colocar à porta um sinal de "No blacks". Não percebo como esta discussão é revivida passados 50 anos, mas deve ser problema meu.

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    2. Bom efetivamente essa discussão aconteceu nos estados unidos onde as questões raciais são muito mais discutidas do que em Portugal, contudo por cá continuamos a ter imensos estabelecimentos comerciais com "sapos de loiça" para afastar os indivíduos de etnia cigana.

      E quais as medidas em relação a publicações que têm conteúdos racistas e/ou xenófobos como a Charlie Hebdo? Deve-se defender o seu direito à livre expressão? serem restritas a maiores de 18?

      Não me parece que faça muito sentido assumir que por um determinado assunto ter sido discutido nos EUA nos anos 50 assumir que essa discussão não seja necessária em Portugal. Ainda para mais quando toda esta temática da descriminação racial/orientação sexual/religiosa etc continua a ser um dos temas mais prevalecentes na discussão publica americana.

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    3. Não me entendeu, Rui. Todos aqui defendemos a liberdade de expressão, nos Estados Unidos, aqui e em todo o mundo que achamos civilizado. Não se devem proibir publicações racistas e xenófobas, nem, por maioria de razão, prender alguém que diga que os pretos e ciganos não prestam. Muito bem. Aliás, nunca vi ninguém preso por isso e todos os dias leio coisas dessas. Eu pensava era que também fazia parte do nosso património ético comum, pacifico, portanto, assente, que não se deve colocar num estabelecimento, seja hóteis, restaurantes ou escolas, um sinal de "proibido a pretos". Se deve estar tal sinal, ou não, não é pura e simplesmente discussão que eu queira ter. Passo. Esse foi um marco que se ultrapassou há muito no mundo que conheço. É por isso que me faz alguma confusão que se fale de forma tão... jovial, tão académica, desse tal aviso nesse tal estabelecimento lá do norte. Já agora, que se confunda isso com os avisos sobre as crianças, é não perceber de todo a diferença entre problemas éticos e civilizacionais essenciais e normas sobre incómodos de ruído. Ou provoca o mesmo incómodo ético ver um cartaz "proibido a pretos" e um cartaz sobre a proibição de entrada de crianças?

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    4. Rui, não posso deixar de pegar numa frase que escreve e que é para mim o cerne de toda esta questão bem como duma série de maluqueiras castrantes que tornam o mundo ocidental cada vez mais opressivo: "Temo o direito de proibir tudo aquilo que nos incomoda?". É exactamente este o ponto!

      Isso das discotecas já há 20 anos era assim. :)

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