segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O vendedor de sonhos

A propósito da entrada de estreia de Sara Pitola, o Bartolomeu deixou este comentário sobre bens transaccionáveis. Com a devida autorização, puxo-o para o corpo principal da Destreza.
A propósito de os cortes de cabelo terem sido o cliché dos bens não transaccionáveis, recordo uma curiosidade. Encontrava algumas vezes, no regresso da escola pessoas que vendiam de porta-em-porta alguns bens transaccionáveis, tais como: hortícolas, peixe, fruta, leite e pão e, encontrava também (não com a mesma frequência) três compradores de bens, que depois iriam transaccionar. Eram eles o ferro-velho, um outro que pregoava “quem tem trapos e garrafas para vender” e um terceiro que comprava cabelos. 
Nos tempos actuais, comprar o cabelo de outra pessoa, é algo que pode parecer, no mínimo, insólito, porém aquele homem comprava e algumas mulheres vendiam. Recordo-me que o comprador preferia e valorizava as tranças (quanto mais longas, melhor) e se o cabelo fosse louro, mais ainda. Este negócio gerava muita intriga e especulação; primeiro, porque o homem não revelava o uso que seria dado ao cabelo, segundo, porque ninguém o conhecia. Então, umas pessoas diziam que ele derretia os cabelos e extraía ouro, outras, que servia para fazer bruxedos, outras ainda que os utilizava para fazer unguentos. Certo dia encontrei o comprador de cabelos sentado junto a um antigo chafariz, estava cansado, farto de calcorrear as ruas de Algés e, decidi sentar-me ao lado dele. Não me recordo do que falamos nem se lhe coloquei a pergunta directamente, mas sei que ele me revelou que os cabelos eram depois vendidos a oficinas que confecionavam cabeleiras postiças. Dei um pulo de contente porque, a partir daquele momento, considerava-me detentor do segredo mais valioso de todo aquele meu mundo. 
Assim que entrei em casa, corri a contar a novidade à minha mãe. Ela achou piada e respondeu-me; então agora, deves guardar esse segredo muito bem e não o revelares a mais ninguém. Fiquei intrigado. Por que motivo deveria não contar um segredo tão valioso? Um segredo que todos comentavam e ninguém conhecia a resposta certa, aliás, andavam todos à distância dela, anos-luz? Então a minha mãe fez-me perceber que se contasse o segredo que o comprador de cabelos me tinha confiado, estaria a trair a confiança que ele depositara em mim e depois ainda podia prejudicar-lhe o negócio, porque alguém poderia pegar na ideia e roubar-lha. 
Pensar, é uma capacidade que todos possuímos, Que uns têm mais desenvolvida, mais ginasticada, mais abrangente; outros têm mais concentrada, mais focalizada, mais especializada. Somos assim, porque somos humanos e foi assim que ao longo dos milénios fomos passando o conhecimento, ensinando e aprendendo... evoluindo, em suma.

1 comentário:

  1. O autor sente-se lisonjeado e agradece, tanto a Luis Aguiar, a publicação, como a Sara Pitola, a inspiração. ;)

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