sábado, 28 de maio de 2016

E porque hoje é sábado: histórias mirabolantes de uma miúda portuguesa que quer ser política na Alemanha

Porque hoje é sábado, e porque amanhã a vou conhecer, deixo aqui algumas histórias da Matilde, contadas pela mãe no blogue Domadora de Camaleões. Adiantando já a moral da história: adoro viver na Alemanha!

1. A recém... política
(...) Pediu-me para ver sozinha as fotografias. “Tens a certeza?”. “Tenho”. Corpos escavados pela fome, pela fadiga, pelo pesadelo nazi. Empilhados como molhos de lenha. Uma tácita convenção impõe que eu não quebre o silêncio antes dela. “Anne Frank morreu assim?”. “Sim querida”. “Isto não mais vai voltar a acontecer, pois não Mami?”. “Não. Nie wieder”. “Temos de estar atentos”, diz-me baixinho. Disfarço mal a comoção.
Continuamos o percurso pela Haus der Geschichte, o museu de História de Bona e um dos mais importantes legados do chanceler Helmut Kohl. Paramos no Bundestag. O mobiliário original do primeiro parlamento alemão do pós-guerra está aqui. Sobe ao púlpito e pede-me para tirar uma fotografia. Ao almoço, depois de visitarmos a queda do Muro e a reunificação, comeu sem pressas, mastigando com lentidão. Cogita. “Tu sabes que eu não vou ter filhos, não sabes?”. “Sim, Matilde?”. “ E também já não vou estudar baleias para o Alasca com a tia”. “E?”. “ Decidi uma coisa hoje”. AIAMINHAVIDA.”Sim?”. “Como não quero ter filhos tenho todas as condições para ser política, como a Merkel”. “Aaah?”. “ Ela não é a mulher mais poderosa do mundo? E não pode decidir sobre guerra e paz? Pois eu quero ser política para que nunca mais haja guerra. E vou ser dos Verdes”. Mãe em hiperventilação.
Pensar que eu aos nove anos sonhava ser a Wonder Woman.


2. As crianças são o melhor do mundo e tal 
Há quem diga que a ironia é o melhor dos condimentos e é óptimo ter sentido de humor. Aprecio uma e não me escasseia outro. Porém digam, digam-me o que eu fiz de errado quando a mini-política cá de casa afirma “ser favorável à introdução de um salário mínimo” e põe no topo da sua lista de presentes de Natal ( sim lista de presentes de Natal em Setembro ou não fosse a pestinha alemã) um encontro com …o Peer Steinbrück.
Façam coro comigo: ohmmmmmmmm.









PS- Você sabe que está na Alemanha quando uma criança de dez anos escreve um email ao candidato a chanceler do SPD e no dia seguinte tem em casa a resposta e um cartão autografado. 


(...) Já tinha escrito no blog sobre o fascínio da minha filha pela política e em particular pelo candidato social-democrata e ex-ministro das Finanças alemão Peer Steinbrück. 
Pois bem, hoje pelo correio chegou o convite para a Matilde lanchar com ele, na sua casa privada.
Que entre as negociações para a formação do governo alemão o Peer Steinbrück encontre tempo para pensar numa menina portuguesa de dez anos parece-me quase de ficção. 
Schland Ich habe dich lieb.



Sabem porque é que certas sociedade funcionam (e outras não) ? Dou-vos dois exemplos: na Suécia quando os fiscais de estacionamento fazem greve os suecos estacionam de forma ordenada e colocam as respectivas moedas no parquímetro, na Alemanha a palavra dada é respeitada. Kant lässt grüßen.
Merece-me reconhecimento, independentemente da minha posição política, o facto do candidato a chanceler do SPD e ex-ministro das finanças alemão, Peer Steinbrück, ter interrompido os seus afazeres políticos, durante as negociações do contrato de coligação, para lanchar durante duas horas, na sua casa privada, com a minha filha. A conversa foi agradabilíssima, com o social-democrata a engasgar-se quando a Matilde lhe perguntou se achava que o seu telemóvel estaria a ser escutado pela NSA. Ohmmmm. 
O político cumpriu a sua palavra e o Natal chegou semanas mais cedo para a Matilde. Eu ganhei um respeito enorme por Steinbrück. 
A pergunta que faço é muito simples: qual de nós não gostaria de viver num país onde nos pudesse acontecer uma coisa destas ?



28 comentários:

  1. “Como não quero ter filhos tenho todas as condições para ser política, como a Merkel”.

    ????

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    1. Luís,
      conheces a agenda da Merkel? Achas que é compatível com ter filhos pequenos?
      Como já disse ali em baixo: estamos a falar de uma criança que nem 10 anos tem. Batam em pessoas da vossa idade.

      Quanto à realidade:
      Ministras: Ursula von der Leyen, 7 filhos; Rita Süssmuth, 1; Kristina Schröder e Manuela Schwesig tiveram filhos quando eram ministras.

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    2. Que idade tem a Merkel? Tem idade para ter filhos pequenos? Mas a questão não é essa. A questão é que nunca um rapaz falaria de não ter filhos como condição necessária para ser político, Inclusivamente, chanceller.

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    3. A Assunção Cristas também é um bom modelo de compatibilidade de filhos e carreira política. Eu nunca quis ser política, mas lembro-me de ter mais ou menos a idade dessa menina e não querer ter filhos. É tão legítimo querer ter, como não querer ter filhos; mas, quando não se tem, o relógio biológico quando ataca é mesmo um grande sacana...

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    4. Tens razão nesse ponto.
      Lembro-me, há mais de 25 anos, de ouvir a Rita Süssmuth a falar da dificuldade de "largar" e deixar as coisas em casa acontecerem à maneira do marido. Ela estava no parlamento, e era o marido quem cuidava da home front, noutra cidade.

      Mas não dês demasiada importância à conversa de uma miúda de 9 ou 10 anos sentada a uma mesa de café. E não exijas dela que tenha uma cabeça completamente liberta de todos os modelos sociais que observa - mais no exterior que na família, diga-se de passagem.

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    5. Helena, estás a ler o meu comentário como uma crítica à pequena. Não podias estar a interpretar isto de forma mais errada.
      É evidente que a menina está a debitar os modelos sociais que observa e são esses modelos que eu estou a criticar.
      Se há alguém em concreto que eu esteja a criticar é a mulher que escreveu "Adiantando já a moral da história: adoro viver na Alemanha!"
      Eu esperava mais de um país tão desenvolvido e com uma cultura tão importante.

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    6. Pelos visto hoje estou lacónica demais. Longe de mim bater na cabeça da miúda (ou da mãe, ou de quem quer que seja). O meu "é, não é?" continuava, dentro da minha cabeça, com qualquer coisa como "quando menos esperamos somos apanhados à esquina, por mais que peroremos sobre como o mundo devia ser".

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    7. Mas já agora que me pus a pensar na miúda, não me consigo imaginar nessa idade a penar na incompatibilidade de ter filhos com qualquer profissão. Não me lembro, aliás, de pensar em qualquer incompatibilidade no meu futuro. Se calhar era eu que era particularmente desatenta, ou a miúda particularmente intro e extrospectiva. Mas poderá dar-se o caso de o modelo social dela (alemão) ser especialmente susceptível de lhe causar essas ideias? Lembro-me de uma vez uma colega alemã (que tinha um miúdo pequeno) dizer com um ar taxativo: "era incapaz de trabalhar a tempo inteiro com uma criança pequena" (devo dizer que ela, como todos os outros e outras colegas, tinha escolha sobre essa questão). Eu pensei em todas as mães portuguesas que conhecia (incluindo colegas dela e minhas), nomeadamente a minha cunhada que teve 7 sempre a trabalhar a tempo inteiro...
      Não sei se as coisas mudaram entretanto, mas a ideia que tenho é que a Alemanha (tal como a Suíça) está estruturada para as mulheres ficarem em casa a tomar conta dos filhos pequenos. Estou enganada?

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    8. Se me está a criticar em concreto, vou responder-lhe em concreto. Não há nada mais pernicioso para a causa feminista que o paternalismo com bonomia de certos homens. Se há mulheres que decidem não ter filhos por seguir uma carreira política porque há-de ser opção menorizada ou criticada? Sendo a Alemanha, por muitas razões um dos países europeus onde é mais difícil conciliar uma carreira profissional com a maternidade é absolutamente natural que a escolha seja não ter filhos. Também não me agrada o modelo social português onde os miúdos são depositados em colégios demasiadas horas por dia, onde o machismo persiste no local de trabalho, etc, etc. Há muito a fazer na Alemanha, há. O mesmo posso dizer em relação a Portugal.
      E sim. Adoro viver na Alemanha. Apedrejem-me.

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    9. Criticá-lá a si? Por amor de Deus, relaxem. Não estou a criticar ninguém. Era apenas uma pequena piada à Helena.
      Bem, vou deixar de responder a comentáriosua neste post, que tudo o que é dito está a ser interpretado da pior maneira possível.
      Beijos para todas e abraços para todos

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  2. Da Alemanha não sei nada, da Suécia um bocadinho. Lembro-me perfeitamente de ir lá ao IKEA (fora da cidade, como de costume) e de os lugares para deficientes estarem todos ocupados. Comentário dos meus amigos suecos: fora da cidade, nos sítios em que não há fiscalização, é assim.

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    1. Eu nunca acredito em superioridades morais ou cívicas de povos. Acredito em sistemas (instituições) bem concebidos e mal concebidos.

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    2. Exactamente. Eu ia continuar nessa linha, mas não ia ficar tão bem dito. Obrigada.

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    3. Luís:
      Achar que um determinado povo considerado, na sua natureza étnica e na sua dimensão histórica total, é superior a outro, também penso que não.
      Mas, conjunturalmente, num determinado período de tempo por vezes largo, do ponto de vista do estado de organização e de desenvolvimento cívico e educativo já podemos considerar.
      No Verão passado estive em Amesterdão e li nos folhetos turísticos que lá se roubam 60 mil bicicletas por ano.
      Não era assim há 50 ou 60 anos, quando a cidade não tinha incorporado o lado mau do seu cosmopolitismo e quando o mundo não era uma aldeia em que tudo o que é de mau quanto a costumes é conhecido e absorvido rapidamente em qualquer parte dessa aldeia global.
      E tudo o que é bom também, valha-nos isso.

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    4. 50 ou 60 anos, não sei. Mas conheço holandeses há uns 30 e sempre ouvi falar de roubos de bicicletas em grande escala.

      É claro que todos os povos têm a pressão social aplicada aqui ou acolá. Nós, por exemplo, consideramos absolutamente inadmissível agarrar no telefone e ligar para a polícia a denunciar um qualquer comportamento anti-social que não nos afecta directamente, como um automobilista em excesso de velocidade; outros povos aprovam esse tipo de comportamento.

      A minha opinião é que, a partir do momento em que essa pressão social alivia por qualquer razão (partes de estacionamento sem fiscis à vista, por exemplo), os tais povos com elevado desenvolvimento cívico e educativo elevado comportam-se como grunhos tal qual como os outros.

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    5. Isabel:
      Se for agora ao Parque Keukenhof, verá as pessoas a colherem flores que estão à venda para levar para casa e a deixarem 1 euro nas caixas de recolha das vendas.
      Sem polícias nem vigilantes.
      Os bons hábitos ainda lá estão, por vezes há e razões (normalmente externas) para que se corrompam.

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    6. Eu disse que cada sociedade aplica a pressão social à sua maneira. Os "honesty qualquer coisa" não fazem de todo parte da nossa paisagem mental, mas fazem-no de outros povos. Neste momento.

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  3. Maravilhoso. Uma jovem de 10 anos já decidiu ficar estéril toda a vida para se dedicar de alma e coração à política.

    Se fosse para freira havia problema familiar, de certo.

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    1. Não posso copiar para aqui o blogue todo. A história de ter filhos é anterior: uns tempos antes desta visita ao museu de História, tinha lido num jornal uma notícia sobre o excesso de população mundial, e decidiu fazer a sua parte: não ter filhos.
      E agora, antes de continuar a bater, peço que repare no pormenor: está a falar de uma reacção de uma criança que nem sequer 10 anos tinha.

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    2. Helena
      Foste tu que autorizaste este comentário, ou fui eu por engano? De qq forma, comentários anónimos não são permitidos.

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    3. Já não sei. Mas obrigada por me lembrares.

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  4. Como mãe da Matilde permito-me alguns comentários:

    a) a referência à esterilização surgiu na sequência de um artigo que ela leu no Der Spiegel sobre o impacto do excesso populacional sobre o planeta. Sendo ela uma miúda com muita consciência ambiental ficou a matutar no assunto.
    Desde que sabe ler que assina a Geolino, a Der Spiegel Junior e o Die Zeit Junior.

    Por mais do que uma vez Angela Merkel afirmou que não quis ter filhos por causa da carreira política. É uma injunção lógica associar não ter filhos ao ser-se chanceler. O anterior chanceler Schroeder disse não querer ter filhos pela mesma razão. Helmut Kohl abandonou os filhos de tal forma que eles hoje nem falam com o pai.

    Não entendo o espanto que o comentário de uma menina de dez anos suscitou. Se fosse um menino a desejar uma vasectomia suscitaria os mesmos ?

    Obrigada pelo post Helena, confesso que os comentários me causaram um certo espanto. Tendo os comentadores por pessoas inteligentes custa-me estarem a bater no raciocínio de uma criança. Parece-me para ser benévola algo injusto.

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    1. "Se fosse um menino a desejar uma vasectomia suscitaria os mesmos ?"

      ??????
      Obviamente que sim, qual é a dúvida????

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    2. Penso que já expliquei os meus comentários mais acima.

      Mas só um pequeno aparte: acho que só a ideia dum menino de 10 anos a desejar uma vasectomia para poder ser chanceler fará desmaiar o "comentariado" português em peso... ;-)

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  5. E não era tudo muito mais simples se as meninas em vez de pensarem em dedicar-se à política pensassem é em dedicar-se ao cuidado da casa, do marido e dos filhos?

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  6. Pensamendo melhor... Antes que a "comentariada" desmaie toda em peso é melhor clarificar o comentário anterior. [;-) Isabel, uma inocente brincadeira sem qualquer acrimónia que, rogo-lhe, não leve a mal.]

    Pese embora ter para mim que a mulher doméstica é um referencial de estabilidade para as famílias e para a sociedade ao aglutinar a família, ao permitir uma maior calma no lar, ao permitir manter as crianças em casa até à altura de entrarem para a escola e ao permitir um cuidado muito mais atento dos avós e sogros, sei que o tempo não volta atrás e que nada disto é, nem de longe, remotamente viavel hoje em dia. Não é possivel repôr o génio na garrafa depois de o ter deixado sair. Daí que sim senhor, as mulheres que trabalhem, tudo bem. Há até profissões eminentemente masculinas onde as mulheres têm dado cartas e superado o desempenho dos homens. No mundo da finança de investimento, por exemplo, tem sido uma realidade nos últimos anos, anos com uma complicação na gestão de carteiras como nunca a actual geração tinha experienciado, o que majora o mérito daqueles que têm tido bom desempenho e que, realmente têm sido muitas elas. Daqui que, venham as senhoras e tenham as suas carreiras profissionais. Agora, o que nunca hei-de habituar-me é à existência de mulheres em profissões que requerem características masculinas como seja a força física. Mulheres mineiras, camionistas, lenhadoras, coisas deste género, isso é que, sinceramente, é muito demasiado demais para eu engolir.

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    1. Zuricher, faz bem em lembrar todas essas necessidades das famílias. A única coisa que é preciso mudar, em minha opinião, é a ideia de que essas tarefas competem à mulhere. Numa família pode perfeitamente conversar-se sobre a divisão dessas tarefas entre o pai e a mãe, ou qual dos dois deve ficar mais tempos em casa, e trabalhar menos fora. Não tem de ser a mulher.
      Sobre a força física: há mulheres e mulheres, há homens e homens.

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