quarta-feira, 18 de maio de 2016

O tempo dos radicais

Há uns anos muita gente perguntava onde é que se tinha enfiado a direita. No CDS? Alguma, com certeza. Mas o grosso enfiou-se no PSD, um partido social-democrata, logo de esquerda, pelo menos de nome. Na verdade, a direita teve de se disfarçar de social-democrata para sobreviver e ganhar votos – já aqui escrevi, sem nenhuma originalidade, que essa sempre foi a táctica de sobrevivência da direita portuguesa: adoptar, sempre que necessário, as causas da esquerda. A direita esteve açaimada durante anos. Se soltasse a língua e pusesse cá fora tudo o que lhe ia na alma, o “comentariado” indígena entraria em estado de choque e o PSD, provavelmente, nunca ganharia eleições.
Na esquerda existe uma realidade semelhante, embora, admito, o grau de dissimulação seja menor. Não há muito tempo, o actual presidente da câmara de Loures, Bernardino Soares, manifestou a sua admiração pela democracia norte-coreana a um jornalista do DN. Foi um deslize, claro, e imagino que o Bernardino deve ter ficado muito aflito mal se apercebeu do seu “acto falhado” – uma expressão involuntária de sinceridade, conforme a definição de Freud. Bernardino não é com certeza um caso isolado dentro da esquerda radical (muitos da dita cuja estão albergados no PS).
A direita radical e a esquerda radical, como alguns lhes chamam, não nasceram ontem. Andam por aí há muito tempo. Para não assustar muito o eleitorado, estiveram, a maior parte do tempo, caladas e escondidas dentro dos próprios partidos. Com a crise e a inerente falta de dinheiro, a moderação foi ao ar e o centro desapareceu em parte incerta. As crises sempre foram um pasto fértil para os radicais. Bernard Shaw e Mark Twain tinham razão: a falta de dinheiro é a raiz de todo o mal. 

23 comentários:

  1. "A direita esteve açaimada durante anos. Se soltasse a língua e pusesse cá fora tudo o que lhe ia na alma, o “comentariado” indígena entraria em estado de choque e o PSD, provavelmente, nunca ganharia eleições."

    Não entendo esta frase. O Insurgente, o Blasfémias e o Observador, sistematizam e registam com eficácia o discurso de direita que suportou o governo PSD/CDS. E forneceram a base de recrutamento para o parlamento e para o executivo. Não existem meios equivalentes à esquerda (houve até certa altura o Jugular). É tudo mais disperso.

    O centro político está a desaparecer em Portugal, no Brasil, em Espanha, nos EUA e no resto do Mundo. Não creio que seja só a falta de dinheiro a causa. No nosso país, entre outras coisas, acho que um dos motivos foi o vilipendio organizado e o escárnio popular, consentido e promovido por pessoas, e até instituições, de quem se esperava decência, à pessoa que melhor o soube representar. Ninguém lhe ocupou o lugar.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, mas repare que o discurso oficial do PSD nunca foi tão assertivo, digamos assim, como essa base de apoio que refere - perderia provavelmente muitos votos se adoptasse na integra esse discurso. Acho que grande parte do eleitorado do PSD sempre esteve mais à direita do que o discurso dos dirigentes do partido. É verdade, o desaparecimento do centro não é um caso específico de Portugal e, sim, a falta de dinheiro não explica tudo - os EUA são realmente um bom exemplo para esse argumento -, mas no caso de Portugal parece-me que explica muita coisa

      Eliminar
    2. JCA, é sobretudo naqueles locais que pode encontrar algo de consistente a suportar as políticas do governo PSD/CDS. O discurso oficial, de Marcos António Costa, Carreiras, Melos & Companhia, é chicana e demagogia de encher chouriços, não conta para nada.
      Mas sim, tem também a ver com dinheiro, foi também a cavalgar a mais crise financeira global dos últimos 80 anos que o centro político em Portugal foi espatifado.

      Eliminar
    3. Eu presumi que o caro JCA se referia aos tempos idos (muito antes da coisa da bloga). O açaime e a dissimulação no discurso ideológico eram, para mim, mais que evidentes nos idos de 80 e 90, onde o discurso político não revelava a amplitude do pensamento político. Hoje, não creio que esse dissenso não seja genuíno, ele corresponde efectivamente às tensões do pensamento político tanto à direita como à esquerda da social democracia. E digo social democracia como eixo do consenso ideológico, como lugar comum ou centro político.
      Por outro lado não concordo com o argumento da exiguidade dos recursos com a excepção das circunstancias em que este é peremptório. A exiguidade dos recursos é apenas um limite transitório ou seja ela é intrínseca ao pensamento político, torcer os limites e transformar o real são sempre o fundamento filosófico das ideologias políticas. O que se pode aventar contra isto tudo é que o embate com o real tem os limites das leis da gravidade e para lá de certa gravidade ou manifesto desequilíbrio que corroa a vontade da geração em ser produtiva (ocorra uma espécie de declínio civilizacional), dizia, para lá desse limite, a ruptura sistemática torna-se plausível.
      Entre nós não vislumbro o impulso para tal ruptura (o chamado radicalismo a que se vem aludindo), contudo ele é possível por indução externa (Se a Europa se desmembrar expor-se-ão as nossas fragilidades económicas, distribuiremos pobreza e nesse caso a tal falta de dinheiro levará, evidentemente, por insustentabilidade, à alteração do Estado de coisas.)
      Até lá, mais ou menos precário, mais ou menos esboroada, a economia e o Estado Social lá se manterão a crédito ou por subvenção externa.

      Eliminar
    4. Sim, acho que o meu texto não saiu muito claro; de facto, essa dissimulação era mais evidente nos anos 80 e 90; mas, ainda hoje, o discurso oficial do PSD não traduz o pensamento de muitos dos seus militantes (incluindo dirigentes) e apoiantes. Ainda recentemente, Passos Coelho sentiu necessidade de arranjar um slogan do género "social-democracia para sempre" - foi um erro, porque foi de tal forma forçado que não colou e soou a falso e a oportunismo (apesar de a social-democracia ser, de facto, relativamente consensual em Portugal, a questão que divide é antes o que fazer para a manter e salvar). Mas acho que essa sempre foi a história do PSD. Nos últimos anos, a bloga veio alterar muita coisa, sem dúvida. As vozes mais à direita tornaram-se muito mais audíveis e visíveis porque, antes, os media tradicionais estavam ocupados sobretudo com pessoas mais à esquerda, excluindo o Independente, que foi muito importante, até na formação de muitos dos que hoje escrevem nos tais blogues mais à direita. No meio disto tudo, o discurso do PSD começou finalmente, com Passos Coelho, a guinar um bocado à direita em termos de economia, uma vez que hoje se considera o liberalismo económico uma coisa de direita. No entanto, ao mesmo tempo, na semana passada, Passos Coelho votou a favor da "barrigas de aluguer",o que provocou, obviamente, mal-estar dentro das estruturas do partido. Uma vez mais, é a velha história, a velha táctica de sobrevivência política.

      Eliminar
    5. Sim, caro JCA, Passos Coelho será um liberal, tanto na economia como nos costumes, mas o PSD não o será, pelo menos do mesmo modo. O que lhe dizia é que o tal dissenso é genuíno. O dissenso representa a resistência que alguma direita e alguma esquerda no PSD oferecem ao tal liberalismo. Mas concordo que no fundo o tal realismo é a posição gestionária de salvaguarda do consenso, esse consenso, sim, social democrata. Logo a questão é a forma gestionária de ser social democrata face ao quão liberal poderá a social democracia ser!! Será, quanto a mim, mais fácil um avanço do liberalismo económico personalizado por um social democrata menos liberal!! Eu, pessoalmente, prefiro ver-me como um defensor do Estado de Direito Liberal e Social Democrático, como a tal Constituição e por essa ordem de ideias!!
      Quanto à direita, não sei se Passos Coelho será bem da Direita, da Direita tradicional Portuguesa!!

      Eliminar
    6. também acho que Passos Coelho não tem nada a ver com a direita tradicional portuguesa, mas é nele que votam, não têm uma alternativa melhor. A ironia é que a social-democracia para ser salva precisa de mais liberalismo económico; é preciso libertar o Estado de algumas funções para que os seus cada vez mais escassos recursos possam ser de facto alocados aos que mais precisam, aos mais fracos e desfavorecidos. É aqui que entra a necessidade de mais liberalismo: para salvar a social-democracia.

      Eliminar
  2. Há, sequer, direita em Portugal? Não me refiro a direita totalitária. Refiro-me a direita democrática, como o PP Espanhol, por exemplo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Boa pergunta. Sim, ela existe, a maioria é hoje democrática, alguma (pouca, parece-me) é, economicamente falando, liberal, mas a maioria é uma direita conservadora ao nível dos costumes, que desconfia profundamente dos partidos da esquerda, e que se reveria, em muitos casos, no PP espanhol, por exemplo. Não sei que peso tem na sociedade, mas está subrepresentada no parlamento; estou convencido de que a maioria dessas pessoas vota no PSD, apesar de não se rever muitas vezes no discurso do partido. É o partido que está mais à mão.

      Eliminar
    2. Curiosamente, concordando com a ironia do Zuricher, acho que a direita totalitária, conservadora, autoritária, auto enunciativa, intolerante e profundamente esclarecida sobre a sua natureza é, efectivamente, uma persuasão filosófica recorrente. Ela vive e revive em cada um de nós, instintualmente em dormencia à espera de um impulso singular, historicamente recorrente, que a reviva. É a sedução do martelo. Quando a realidade se torna insuportável, nauseante e aversiva acorda em cada um de nós a sedução do martelo. A pulsão intolerante vê e revê pregos em todo o lado. Sim, sem dúvida, a direita totalitária existe, sempre, quanto à democrática tenho, realmente, as minhas dúvidas.
      Por outro lado,discordo da alusão à Espanhola. Como também me parece ser o caso do JCA. O PP Espanhol é abertamente conservador, de um modo que o PSD nunca o foi. Espanha é a quase mesma coisa que Portugal nesse sentido. Exceptuando que, em Espanha, a persuasão totalitária e a sedução do martelo estão mais à flor da pele. A sedução do martelo é ainda mais indelével e o reduto político totalitário muitíssimo mais presciente das pulsões e dos impulsos. A chamada direita liberal deve representar uns 8% a 10%, seria uma espécie de bloco de direita.

      Eliminar
  3. Eu acho que o PSD nunca foi social-democrata. Foi, sim, inspirado em larga medida pela Doutrina Social da Igreja, especialmente o seu principal fundador. Era, pois, essencialmente, um partido cristão social. O novo-riquismo ideológio, ou até a ignorãncia, na sua fundação, chamou-lhe social-democrata (a mudança de nome de PPD para PSD foi apenas táctica, e surgiu na sequência de uma cisão no partido, tendo por objectivo prevenir o uso do nome pela facção dissidente). Note-se, inclusivamente, que o PSD pertenceu vários anos ao agrupamento liberal do Parlamento Europeu, e mais tarde passou para o chamado "Partido Popular Europeu": nem um nem outro alguma coisa têm de social-democrata.

    Naqueles longínquos anos 70, o liberalismo económico ainda não tinha ressurgido (esse ressurgimento começaria com a primeira vitória de Margaret Thatcher, em 1979, e a de Ronald Reagan em 1980). Sá Carneiro, Magalhães Mota e Francisco Balsemão não perdiam, diga-se, uma oportunidade para frizarem que o partido não era liberal (rótulo que se lhe colava facilmente, devido à sua origem na chamada ala liberal de deputados independentes eleitos para a Assembleia Nacional nas listas da ANP em 1969).

    Além disso, não sei se a Direita portuguesa algum dia foi liberal (o que não impede que, pelo menos parte dela, não passe a sê-lo).

    Quanto às comparações com o PP espanhol, por cá temos uma versão dele: o CDS.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Boa análise e bom resumo da história do PPD/PSD. Eu também acho que a social-democracia do PSD foi sempre mais táctica do que outra coisa, o que não quer dizer que por lá não houvesse e haja social-democratas genuínos. O PPD/PSD sempre foi um saco de gatos, com várias "sensibilidades", cheio de gente ambiciosa, que queria subir na vida e chegar ao poder rapidamente, em que a ideologia não contava muito, era instrumental, mas, no meio dessa gente, estava lá metida a direita conservadora, que não tinha então melhor sítio onde se meter.

      Eliminar
    2. Embora o único partido que inclui no seu nome o adjectivo "português" seja, paradoxalmente, o PCP, José Carlos, é minha opinião que o mais português de todos os partidos, para o bem e para o mal, é o PSD.

      Apesar de todos os seus defeit

      Eliminar
    3. Dizia eu: apesar dê todos os seus defeitos, que não são poucos, devemos-lhe algumas coisas, hoje dadas como garantidas - como, por exemplo, o fim do monopólio público da televisão - que sem a sua persistência ainda hoje, muito possivelmente, seriam impedidas pelo Partido Socialista, o qual - honra lhe seja - sempre tentou ser fiel ao seu nome.

      Eliminar
    4. Duvido muito, muito desse tipo de afirmações. Aliás, acho-as uma completa treta, para ser sincero. Por exemplo, quando no poder, o PS privatizou tanto ou mais do que o PSD. E a ideia de que Portugal seria o único país europeu em 2016 só com TV pública se dependesse do PS parece-me totalmente ridícula.
      A única diferença é que se o PS estivesse no governo teria sido o PSD a tentar atrasar o processo para ser ele a escolher para quem iam os dois canais privados. É evidente que com o PS no governo os 2 canais privados não teriam ido para Balsemão e para a Igreja Católica.

      Eliminar
    5. Diria mais, se há uma visão que foi determinante para o desenvolvimento de Portugal, para o tornar mais europeu, foi mesmo o desígnio de aderir à CEE. E quem levou isso avante não foi o PSD, foi o PS. O PSD sempre foi mais céptico nesse domínio. (Mas, lá está, também acho que a se os governos fossem mais PSD e menos PS também teríamos aderido à CEE, tal como a decisão de aderir à moeda única foi tomada por um governo PSD).

      Ou seja, caro Alexandre, acho que esse tipo de declarações apenas sobrevive em contextos muito fechados. Não resistem a 2 minutos de contraditório.

      Eliminar
    6. Ora bem: não interessa saber quem mais privatizou, mas sim quem deu início ao processo, quem venceu a oposição e a inércia, com a relutância - sim! - do PS, co-subscritor dos mais malfadados e anti-democráticos artigos da Constituição, como a "irreversibilidade das nacionalizações". O PS, enquanto combatia "na rua" o PCP, a ele se aliava em S. Bento para cozinhar uma aberração chamada CRP 1976. Dir-me-ás que o PSD aprovou a Constituição, mas eu contraponho que assim terá feito por ser o mal menor naquele contexto, sem ter votado favoravelmente esses artigos aberrantes, diga-e. Neste aspectom estou muito mais de acordo coma posição do CDS, que votou contra a Constituição, presumo, pelo seu carácter ideológico e anti-democrático.

      Mas, voltando atrás, acho eu uma treta vir-se aqui dizer que o PS até privatizou mais (acredito que sim): depois de Bartolomeu Dias e Vasco da Gama terem provado que podia chegar-se à Índia pela rota do Cabo, não faltaram aqueles que a seguiram, incluindo muitos dos que, até então, achavam que podia chegar-se à Índia viajando para Ocidente e se recusavam a enfrentar o Adamastor (Álvaro Cunhal, no contexto da época que discutimos).


      Quanto à televisão privada: eu não disse que hoje, em 2016, a televisão ainda seria estatal, se a vontade do PS tivesse prevalecido. Isso é o chamado "espantalho retórico". Nem o PS é tão retrógrado que a isso ainda se opusesse, embora, olhando às suas actuais alianças, não sei se, fosse ainda hoje a televisão um monopólio do Estado, isso acabaria.

      Em relação à "Europa", nunca distingui graus de "europeísmo" entre PS e PSD: ambos por ela se bateram, e ambos tudo emgoliram, "line, hook and sink", exressão inglesa que estou certo entendes.

      Eliminar
    7. Houve aqui vários erros de "tipografia", dos quais peço desculpa. ;-)

      Eliminar
    8. Desculpa a insistência, Luís: a TAP é um bom exemplo daquilo de que o PS é capaz, na sua resistência àquilo que a Esquerda até gosta de designar por "ventos da História" (embora a expressão tenha sico cunhada pelo Primeiro Ministro conservador britânico, Harold Macmillan). Troca Tap por televisão estatal, e perceberás o meu argumento.

      Eliminar
    9. Mais um pormenor, Luís: eu não debati a politiquice de seita acerca de quem receberia os canais privados, mas sim o princípio da anulação do monopólio estatal da televisão, o qual, por mais voltas que queiras dar ao texto, se deveu a iniciativa do PSD. Como já escrevi, é como a TAP: por que razão é ela, numa "Europa" onde isso já não sucede em parte alguma, ainda em grande parte detida pelo Estado? É por causa do PSD, ou é por causa do PS e sua eterna má relação com a economia de mercado, por via da qual, diga-se, acabou a promover o "capitalismo de compinchas"?

      Eliminar
  4. Eu acho que resistem a muito mais minutos de contraditório, mas mais tarde aqui voltarei. Já agora, e dado parecer que pensas que os impulsos liberalizantes não se deveram principalmente ao PSD, diz-me, por favor, a quem achas que se deve a manutenção do " rumo ao socialismo" no preâmbulo da famosa e muito democrática Constituição de 1976. Obrigado.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Era moda. Basta ouvir os discursos de Sá Carneiro. Até o Freitas do Amaral, ao justificar o voto contra esse rumo, disse que o rumo ao socialismo nao estava em causa, apenas se questionava sobre se devia estar na CRP (aqui estou falar de cor, tenho ideia de ter ouvido estas declarações há uns anos, num documentário).

      Eliminar
    2. Desculpa, Luís, era moda em 1976. Mas por que razão, após sucessivas revisões, permanece esse e outros objectivos doutrinários na Constituição? É por causa do PSD?

      Eliminar

Não são permitidos comentários anónimos.