segunda-feira, 30 de maio de 2016

Um conjunto de contradições.

José Rodrigues dos Santos voltou à carga: “o fascismo é um movimento de origem marxista”, insiste ele no Público. A origem do fascismo estaria nas ideias do “marxista” francês Georges Sorel (1847-1922) que publicou, em 1908, um livro muito influente intitulado Refléxions sur la violence. Como a revolução do proletariado profetizada por Marx e Engels nunca mais via a luz do dia, a impaciência começou a instalar-se no seio dos marxistas logo no final do século XIX (vejam bem a paciência dos comunistas portugueses, que ainda não desistiram da ideia). Sorel achou que era melhor não esperar sentado e defendeu que se passasse à acção. Uma elite ilustrada guiaria o proletariado e, juntos, antecipariam o fim do capitalismo à mocada. Lenine leu o livro e daí lhe veio a ideia de uma “vanguarda”. Mussolini também o leu e daí o seu fascínio pela violência das massas. E, se bem entendi, Georges Sorel é a origem comum dos dois movimentos: bolchevismo e fascismo. Há, sem dúvida, muitas coincidências e sobreposições nestas duas histórias de violência, que abalaram a Europa e o mundo. E Rodrigues dos Santos tem razão: o socialismo não foi parar por acaso ao "nacional-socialismo" alemão: os nazis estavam, por exemplo, a lançar um Estado providência.
Há, todavia, um problema nesta narrativa de Rodrigues dos Santos. O fascismo pode ter bebido em fontes marxistas, mas isso não significa que seja uma simples derivação do marxismo. Na verdade, o fascismo bebeu em muitas fontes. Mussolini não tinha uma filosofia, tinha uma retórica, como defendeu algures Umberto Eco. De facto, como é que se faz uma revolução e se mantém ao mesmo tempo uma monarquia? Como é que se advoga o controlo absoluto e o livre mercado? Como é que se concilia uma educação estatal que apela à violência com os privilégios concedidos à igreja?
De qualquer maneira, não se pode falar de fascismo sem falar de nacionalismo exacerbado, corporativismo, a ideia de um chefe carismático, a vontade imperialista de conquistar novos territórios. O que é que estas ideias têm a ver com o marxismo? Muitas delas vêm do século XIX, muito antes de Sorel. É o caso, por exemplo, da crítica da representação individualista e a correspondente apologia da representação orgânica, que vêm do primeiro romantismo. Até em Portugal, Ramalho Ortigão e Oliveira Martins defenderam um Estado orgânico e a conciliação de classes. E estas ideias, normalmente associadas ao fascismo, vão completamente contra o “internacionalismo” e a “luta de classes” do marxismo.
O fascismo não possuía nenhuma quinta-essência, nem sequer uma só essência, como sublinhou Eco. Era uma colagem de várias ideias políticas e filosóficas, um conjunto de contradições. Não tinha uma fonte ou origem, tinha várias.

7 comentários:

  1. O Oliveira Martins seria um excelente exemplo da convivência ideológica, ainda bem dentro do sec. XIX, entre a representação organica nacionalista e socialista e o individualismo anarquista!! Sabe-se que começou de um lado mas acabou no outro!!
    Esta discussão parece-me estulta, e muito mais ainda quando representada por J.R. dos Santos. Há determinadas práticas históricas que coincidem. Há parcelas de um património partilhado por diferentes ideologias, sim!! Não mais nem menos que isto!!

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    1. Prezado Justiniano,
      É exactamente isso. Em poucas palavras, resumiu bem a questão.

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  2. O JRS, para além da clarividência para o negócio de certo tipo de escrita (nem me atrevo a chamar-lhe literatura), projecto em que tem várias pessoas a fazer «peças de um fato» que ele depois afeiçoa, nunca pareceu uma pessoa muito clarividente.
    Em tempos, na televisão, disse que não fazia separação de lixo doméstico porque não sabia o que significavam as 3 cores e o que deveria pôr em cada contentor.

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  3. As sinopses existentes nas capas dos dois livros mencionados por JRdS não deixavam supor que ele estivesse a tentar falsificar a história, porque estão identificados como ficção. Só que, dizendo agora são provas de o fascismo ter origem no marxismo (antes disse que eram gêmeos, parece), entrou no terreno da ESPERTEZA SALOIA, já desmontada em vários bons artigos, dois dos quais de JCA, neste DdD.

    E, sabendo eu que a expressão "esperteza saloia" é ofensiva para vários naturais de Sintra e Mafra, que bem se orgulham de serem saloios, e sem terem culpa nenhuma sobre as invencionices do marketeiro em causa, adiciono um vídeo que mostra a origem desta expressão que, na sua origem, significava o contrário do que significa hoje.

    ESPERTEZA SALOIA [João Rodil (Historiador)]
    https://www.youtube.com/watch?v=eAv8uVkMw0s
    (2 minutos e 31 segundos

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    1. Muito obrigado pela sua sugestão, não fazia ideia da origem da expressão; graças a si, já aprendi mais uma coisa hoje.

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  4. O tema ainda é prenhe, a julgar pelo público de hoje e por outros locais da bloga!! Vai-se a ver e a coisa tem toda origem no iluminismo setecentista...ou na renascença seiscenta....ou na antiguidade clássica romana...ou helénica...ou na agregação mesopotamica...ou...

    Acho que o JRS se queria referir a todos as ideologias totalitárias, mas nesse caso, lá está, o início comum foi o barroco naquela acepção de horror ao vazio!!

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