domingo, 15 de maio de 2016

Por falar em hipocrisia

A Rita acusa aqui de hipocrisia ou incoerência os que defendem a superioridade dos serviços privados sobre os públicos. Não vou discutir com a Rita. Mas há outra hipocrisia de que a Rita não fala. Dos que passam a vida a endeusar as escolas estatais e depois põem os filhos em escolas privadas, quando podiam optar pelas primeiras. Provavelmente, só em Portugal seria possível tamanha incoerência.

21 comentários:

  1. Por acaso, José Carlos, Portugal não está só, nesse aspecto. Está até muito bem acompanhado: ficaram célebres as controvérsias em torno de Tony Blair e alguns seus ministros que, sendo também muito amigos do ensino público, tinham os filhos no privado.

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    1. É verdade, e penso que aconteceu uma coisa parecida com a filha dos Clinton, mas talvez a Rita nos possa elucidar sobre isso. Mas parece-me que aqui uma diferença: Tony Blair e os ministros em causa não se livraram das acusações de hipocrisia e incoerência. Ora, em Portugal, nunca vi esse tipo de acusações a eminentes figuras públicas, grandes defensoras da escola estatal, e cujos filhos foram para escolas privadas. É caso para dizer que, para estes senhores e senhoras, a escola pública é excelente, mas apenas para os filhos dos outros.

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    2. Os Clinton lembra-me os Dalton, talvez por ambos os apelidos terem duas sílabas.

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  2. Eu não me recordo da questão da Chelsea Clinton, logo não posso comentar. Acho que essa questão não surgiu com as filhas dos Obama. A mais velha vai entrar agora para a universidade. Em Houston, as melhores escolas são privadas, mas meter os filhos na privada também tem a ver com os amigos que se quer que os filhos tenham e essas conversas são tidas pelos pais. O mais giro é que as universidades privadas de maior reputação escolhem alunos baseado em selecção adversa. Eles têm tantas aplicações de alunos que saem das melhores escolas privadas do país e do mundo, que ser um bom aluno de uma escola pública é capaz de dar maior vantagem para entrar para uma universidade privada com um bom ranking.

    Quanto à questão da hipocrisia, não sei se há sempre. Acho que o ensino privado oferece serviços que não são considerados essenciais e estão acima do nível de educação que se determinou dever existir em Portugal. Por exemplo, há pais que podem querer ter os filhos na privada porque lá oferecem actividades extra-curriculares e eles não se querem chatear a procurar esses serviços ou a levar os filhos para essas actividades, se eles andarem numa escola pública. Ou seja, a preferência não revela diferenças de qualidade de ensino, mas sim de conveniência em questões para além do ensino.

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  3. Senhores A. Burmester e J. C. Alexandre:
    O escritor Mário de Carvalho inventou uma frase muito operativa para se responder a muitas desconversas: «Não devemos confundir o género humano com o Manuel Germano.»
    É o que muita gente faz quando distorce a realidade, analisando-a apenas a partir de um dos vários pontos que a compõem, devido ao enviesamento que põe nas suas análises condicionadas ideologicamente.
    Quando se defende a escola pública defende-se um princípio geral de organização de uma área do Estado, com vista a uma finalidade do interesse geral.
    Foi a escola pública que historicamente alfabetizou as populações e a seguir as educou, a partir dos finais do século XIX, transformando os elementos dessas sociedades pré-modernas em cidadãos nacionais: isto é, deu assim o contributo mais decisivo para a formação dos estados-nação modernos.
    Embora a escola privada, que se constituiu a partir do século XV, concretamente através das ordens religiosas, seja, portanto, muito anterior à escola pública, apenas conseguiu educar as elites.
    É evidente que estamos no século XXI, pelo que se pode admitir outros papéis de para a escola privada em complementaridade alargada com a escola pública, mas nunca no contexto da luta ideológica maniqueísta entre Direita e Esquerda que se trava a nível transnacional, revestindo a forma crítica de um novo PREC em Portugal: agora um PREC da Direita.
    Parece que não se aprendeu com as nefastas consequências do PREC da Esquerda em 1974/75, consequências que ainda pagamos em boa medida.
    Passando do «género humano» de que nos fala Mário de Carvalho para o «Manuel Germano» que é cada pai e cada mãe que têm decidir o que, num dado momento, é melhor para os seus filhos, que têm uma dada janela de oportunidade num dado momento, que se a deixam passar ela não voltará mais, é absurdo e maldoso tirar as ilações que os senhores tiram.
    Pode ser-se completamente a favor da escola pública como garante da educação universal a todos os cidadãos, em pé de igualdade, sem discriminações positivas (selecção manifesta ou encapotada de alunos: em muitas escolas privadas) ou negativas (enclausuramento em guetos educativos desvalorizados: que muitos querem que seja a escola pública) e, por razões concretas inultrapassáveis pôr-se um filho numa escola privada.
    Se a escola pública da zona for muito má, que possibilidades têm os pais de alterar a situação em tempo útil para darem o melhor ao seu filho?
    Mas, partir das escolas públicas que funcionam mal para a sua eliminação e substituição pelas privadas, que é o que subjaz à argumentação de muita gente nestes debates inquinados que tresandam a luta ideológica estéril, para se concluir da superioridade de um sector sobre o outro é desonestidade intelectual.
    O que se deve desejar e exigir é a melhoria continuadamente da escola pública.
    Onde estão os resultados fiáveis dessa superioridade: o padrão de medida que temos são os frágeis rankings, para todos os gostos, feitos por muita gente, e o que vemos neles?
    Escolas públicas e privadas do princípio ao fim da lista.
    E rankings que não tiveram em conta os diversos parâmetros de partida: apenas os resultados em alguns exames nacionais.
    (Fim da parte I - continua)

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  4. (Parte II- continuação)
    Nesta febre de crucificar a escola pública a pretexto da má qualidade e dos excessivos gastos já se ensaiaram muitas soluções em vários países: EUA, Nova Zelândia, Suécia, etc. Parece que os resultados a médio prazo não têm sido muito encorajadores. Numa espécie de PPP do ensino.
    Na Grã-Bretanha, por exemplo, as verdadeiras PPP das obras públicas custaram ao Estado mais 47% do que se as obras tivessem sido realizadas pelo Estado.
    Na Suécia, país-modelo da promoção e generalização da educação a toda a população; e país pioneiro na erradicação do analfabetismo, ainda no século XIX (quando nós tínhamos taxas de 76% de analfabetos), a experiência de privatização do ensino está a ser muito questionada pelos sucessivos governos (de Direita e de Esquerda) desse país.
    A suécia a partir de 2012 desceu fortemente no PISA e já está atrás de Portugal. É só consultar os vários PISA, eu não estou a inventar nada.

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    1. Prezado Manuel Silva,
      leio-o com gosto, mas às vezes faz deduções erradas dos meus textos - admito que a falha é minha. Nunca defendi a superioridade da escola privada. Mais: andei sempre em escolas públicas e o meu filho também e, felizmente, até tenho recursos para o pôr em escolas privadas. Como vê, não tenho nenhum preconceito contra a escola pública. Agora, sinceramente, não consigo perceber como é que alguém que chama a atenção constantemente para os vícios e perigos das privadas e, ao mesmo tempo, para as virtudes das públicas pode depois achar normal preferir que os filhos frequentem escolas privadas e não ver aí nenhum tipo de incoerência. Quando diz que os país, os tais paladinos da escola pública, às vezes põem os filhos em escolas privadas porque as públicas da zona são más está a ir ao encontro do meu argumento: deixem os pais decidir caso a caso. O que nos separa é que a mim não me choca que o Estado financie as famílias mais pobres (ou as escolas) para também elas poderem ter essa escolha e não ser apenas uma opção ao alcance das famílias com mais recursos. A partir daqui, como percebeu num post anterior meu, não tenho nenhuma ideia preconcebida sobre qual o melhor modelo a seguir em Portugal. Mas, no plano dos princípios, essa possibilidade faz sentido para mim. É só isso.

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    2. Sr. Silva,

      Não sei onde me viu atacar o ensino público a favor do privado. Eu apenas discutia esse defeito humano que dá pelo nome de hipocrisia, coisa que fiz, diga-se, sem falar do alto de nenhuma burra moralista. Prouvera que todos assim debatessem.

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  5. Sr. Burmester:
    Segundo um ditado popular, há quem veja mais depressa um mosquito nos olhos dos outros do que um boi nos seus próprios olhos.
    Mutatis mutandis, podemos adaptá-lo e substituir por uma burra moralista.

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    1. Lá poder, podemos, Sr. Silva, mas não seria metáfora adequada ao caso em apreço.

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  6. Caro J. C. Alexandre:
    O seu problema é que insiste em confundir «o género humano com o Manuel Germano.»
    Só haveria incoerência se a opção de escolha entre a escola pública e a escola privada estivessem no mesmo plano.
    Isto é, se as consequências da escolha de cada uma delas fossem semelhantes.
    Mas por vezes não são: infelizmente.
    Umas vezes é uma melhor, outras é a outra.
    E as escolhas, neste caso, são determinadas, em primeira instância, pela sorte de um terceiro ser que se está borrifando (nem compreende, em muitos casos, o que é a incoerência de que fala: refiro-me a crianças do pré-escolar, do 1.º e até do 2.º ciclo).
    A sorte e o futuro das suas vidas devem ser postos em 1.º lugar.
    O resto, as disputas dos adultos por umas ou outras escolas, os debates sobre o papel de cada sub-grupo de escolas, tudo isso se deve fazer sem meter os visados directamente ao barulho.
    Muito menos interromper as aulas, fardá-los de «neo-pioneiros» e lançá-los às feras nesta luta ideológica maniqueísta sem quartel a que assistimos a propósito de tudo e de nada.

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  7. Não há incoerência nenhuma. A escola pública (estatal) deve ser defendida (“endeusada” se quiser assim) porque aceita ricos e pobres e crianças de toda a espécie e feitio. Um pais torna-se mais civilizado e decente quando o estado começa a construir escolas e quantas mais construir e a mais níveis, mais civilizado e decente se torna. Isto não carece de grandes explicações, porque é intuitivo.
    Pelo contrário, a escola privada faz selecção. Crianças ciganas, com necessidade educativas especiais, ou outras dificuldades várias de comportamento ou aprendizagem, são subtilmente ou abertamente, convidadas a ir procurar outra freguesia. Vamos deixar de fazer de conta que não sabemos isto?
    Portanto, parece-me natural que muitos pais, aqueles que podem, escolham as privadas. Quanto mais não seja, porque as turmas são muito mais sossegadas… É até um ato de óptima gestão por parte dos privados. Daí que se diga que os privados gerem melhor do que o Estado, que tem de aceitar todos os piolhosos que lhe mandam.
    Já agora, de tanto se falar em políticos que defendem a escola pública e colocam os filhos no privado, acho que está na altura, finalmente, de se denunciar concretamente a situação, fazendo uma lista.

    Renato

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    1. Renato
      se puder ponha o seu nome no campo indicado, em vez de ser no fim da sua mensagem. É que por engano posso recusar o comentário.

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    2. Que campo, Luís? Parece-me que a única maneira de o meu nome aparecer em cima é fazer conta no Google, fazer facebook, etc, mas eu, como pessoa, não interesso nada a ninguém. Basta que concordem, ou não, com o que digo e se contribuir para animar o debate, tanto melhor.
      Atenção que o meu último parágrafo, aquele da lista dos deputados com as crias no colégio, é sarcástico. É fantástica a noção de hipocrisia que por aí vai. Também podíamos denunciar os hipócritas que defendem (e votam) o rendimento mínimo e subsídios de desemprego e ganham cinco vezes mais ;)

      Renato

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    3. "Que campo, Luís?"

      espera ai, deixa-me fazer o logout para ver se aparece o que eu penso que aparece.

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    4. Renato
      A mim aparece uma opção para responder com o Nome/URL. Escolhi essa opção. No nome escrevi "Teste", deixei o url em branco e o comentário passou. Portanto, não é obrigatório abrir conta em nenhum site.
      Eu só lhe sugeri isto para minimizar a probabilidade de eu não autorizar o seu comentário. Só os anónimos (e um comentador concreto) estão banidos.

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    5. Este anónimo é o Renato não-assinado ;-)

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