sábado, 14 de maio de 2016

Mercados e tradição

O verdadeiro teste de alguém acreditar no que diz é observar o que a pessoa faz. As pessoas que acreditam veementemente nas forças de mercado e na superioridade da sua eficiência não deviam usar escolas, nem serviços de saúde públicos, porque há alternativas no privado. Se usam, é porque a alternativa que o estado oferece não é assim tão má comparada com a alternativa do mercado. Se depois de estudarem em escolas públicas, conseguem ainda acreditar que o estado é completamente mau e o mercado é que é muito bom, então a educação que receberam não lhes fez uma lavagem cerebral, como alguns acusam de ser esse o grande perigo do ensino público. Mas estas deduções lógicas passam-lhes ao lado e o seu comportamento e as suas crenças divergem. E verifica-se que, mais uma vez, os mercados são como a tradição: não são o que eram. E a lógica, essa anda pelas ruas da amargura...

23 comentários:

  1. Realmente a lógica da Rita anda pelas ruas da amargura.
    Uma pessoa que acredite no mercado e nos malefícios do Estado pode perfeitamente usar serviços públicos; sendo oferecidos gratuitamente (ou, pelo menos, não sendo possível fugir aos impostos), caso os serviços públicos sejam minimamente competitivos, ou só ligeiramente piores, optar por eles é facilmente a decisão de mercado mais lógica.
    O inacreditável é pensar no quão maus eles são, quando mesmo oferecidos gratuitamente há imensos portugueses que optam por pagar duas vezes e usar o privado de qualquer forma.

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    1. A sério? A justiça, a defesa são minimamente competitivas e é por isso que as usas? Wow...

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    2. Rita, olha, pela minha experiência posso falar. Cada vez mais em contratos comerciais não se usa a justiça normal, dos Estados, recorrendo-se a tribunais arbitrais. Aliás, uma cláusula comum hoje em dia em contratos internacionais é que em caso de disputas recorre-se a um tribunal arbitral detalhando-se depois a composição do mesmo e demais detalhes. E olha, Rita, que quando eu comecei a trabalhar não era assim. O normal era uma cláusula submetendo as disputas à jurisdição dos tribunais de Geneve, Zurich, Londres ou NYC, os mais comuns.

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  2. Se "a educação que [alguns - 2?, 20?, 2.000?] receberam não lhes fez uma lavagem cerebral", então "o grande perigo do ensino público", i.e., a lavagem cerebral dos alunos, não existe - ou todos, ou nenhum?

    Se "acreditam veementemente nas forças de mercado e na superioridade da sua eficiência não deviam usar escolas, nem serviços de saúde públicos".

    Se "usam [os serviços públicos], é porque a alternativa que o estado oferece não é assim tão má".

    Mas a correcção e a adequação das soluções gerais está dependente do efeito concreto que elas podem ter na minha situação particular?

    Se um município instituir um imposto especial destinado ao pagamento de um salário de € 10.000,00 aos jardineiros municipais e eu me candidatar ao posto de jardineiro municipal, estou a concordar com a bondade dessa opção política?

    Ou estou a aproveitar os efeitos positivos que ela pode ter para mim, embora seja negativa para todos (ou a maioria d)os outros?

    Não me parecem certeiros esses "if - then".

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    1. Não percebi o comentário, mas mais uma vez há contradições nos argumentos dos liberais. Ao mesmo tempo que acusam o estado de ser ineficiente na prestação de serviços de educação, não defendem que o serviço de justiça seja desmantelado exactamente porque o estado é ineficiente e um mercado competitivo prestaria esses serviços melhor.

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    2. O meu comentário quis transmitir-lhe o seguinte: as proposições condicionais que usa não contêm a relação de implicação que nelas encontra.

      O facto de alguém ter andado numa escola pública e a criticar, não significa que não possa temer pela "lavagem cerebral" feita a inúmeros outros alunos, tal como sairmos de uma borrasca de perfeita saúde não nos impede de temer pela pneumonia dos outros.

      O facto de criticarmos serviços públicos [a sua dimensão, o seu custo, o seu monopólio, a sua ineficiência, a sua mera existência] e os utilizarmos, não implica desonestidade – essa relação de implicação existiria apenas se os criticássemos pela falta de qualidade apresentada e, de seguida, recorrêssemos àquilo que disséramos ser de má qualidade.

      Que critiquemos uma opção política por ser negativa para o país, não significa que não possamos dela retirar benefícios individuais enquanto a mesma se mantiver.

      Isto parece-me claro, aqui e em toda a parte.

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    3. Relativamente à "contradição" entre:

      A. Acusação de ineficiência estatal na prestação de serviços de educação;
      B. Não-defesa do desmantelamento do sistema de justiça porque "um mercado competitivo prestaria esses serviços melhor",

      eu gostaria que me fornecesse o link onde possa encontrar um liberal, em qualquer parte do mundo e em qualquer momento da História, a afirmar que “como o sistema educativo estatal é ineficiente, devemos desmantelar o sistema de Justiça (e fechar os tribunais)”.

      Julgo que na América lhe chamam “apples and oranges”.

      PS: porque penso que estava a falar seriamente, dir-lhe-ei que a diferença entre uma coisa e outra está em que o exercício da administração da Justiça é considerado uma função de soberania na generalidade dos Estados de Direito. Mas essa é outra conversa, e demorada.

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  3. "...então a educação que receberam não lhes fez uma lavagem cerebral, como alguns acusam de ser esse o grande perigo do ensino público".
    Claro que o ensino não consegue fazer lavagem ao cérebro da esmagadora maioria das pessoas e o 25 de Abril foi uma boa prova disso: não obstante os agentes do ensino estarem alinhados, na generalidade, com o regime e todos os funcionários públicos terem assina uma declaração onde repudiavam "o comunismo e todas todas as ideias subversivas", foi o que se viu.

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  4. "não obstante os agentes do ensino estarem alinhados, na generalidade"

    Há dados?

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    1. De facto não tenho dados, mas sei que os agentes não alinhados eram, sempre que possível, afastados. E a esmagadora maioria das escolas, de todos os níveis, era estatal, existindo apenas universidades públicas.

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    2. Não tenho essa percepção. Mas, lá está, também não tenho dados.

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    3. Por história familiar (eu sei, são anedotas) a minha percepção é que o "alinhamento" era principalmente formal. Era obrigatório afirmar a adesão ao regime para ser admitido à profissão, e não se podiam ter posições públicas diretas de oposição (nem sequer de qualquer acção que pudesse ser interpretada como de "demasiado liberal" ou avançada, e não unicamente no plano politico) mas não quer dizer que apenas pessoas diretamente comprometidas com o regime ensinassem (aliás, era extremamente mais comum encontrar esse comprometimento principalmente em quem tinha cargos de gestão, não em quem era "simples professor").

      Em termos de propaganda/ideologia ensinada, essa existiria mais na "doutrinação" no ensino primário e nas entidades "de juventude" como a Mocidade Portuguesa (cuja pertença por parte dos jovens não era opcional) - mas se há uma coisa que felizmente a juventude (de todas as eras) sabe fazer resistir à propaganda direta, principalmente quando as contradições entre o que é dito e a sua vivencia são claras.

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    4. Concordo com o iv. Sou tentado a entender que quaisquer tentativas de lavagem ao cérebro dos jovens tem efeitos contrários: é que o fruto proibido é o mais desejado...

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  5. Rita, este teu post é maniqueista e a vida não o é. Pretendes que ou se use tudo do Estado ou tudo privado e a vida não é assim. O Estado tem algumas funções, idealmente mínimas, como seja a justiça (embora, como disse no comentário anterior, haja soluções de justiça privada cada vez mais usadas), a defesa (que também já não é um monopólio dos Estados embora eu aqui torça muito o nariz nuns casos embora aceite plenamente noutros), a segurança pública (que também já não é monopólio dos Estados e eu aqui também torço o nariz) e assegurar depois a prestação de alguns outros serviços o que não é sinónimo de que seja o Estado directamente a presta-los. A saúde aí no país de cima, no Canadá, por exemplo, é toda ela prestada por privados embora paga pelo Estado. Na Alemanha, no serviço ferroviário regional (que é inerentemente deficitário e, portanto, sujeito a obrigações de serviço público) os laender fazem concursos públicos aos quais pode apresentar-se seja que operador for, tanto a DB como operadores privados e umas vezes ganham uns, outras vezes ganham outros. Esta última solução é a que mais me agrada para a operação duma série de serviços que o Estado tem que garantir. Faz-se concurso público para a exploração deste equipamento ou do outro. Ganha quem fizer o melhor preço e até pode ser uma empresa do Estado.

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  6. Rita, este teu post é maniqueista e a vida não o é. Pretendes que ou se use tudo do Estado ou tudo privado e a vida não é assim. O Estado tem algumas funções, idealmente mínimas, como seja a justiça (embora, como disse no comentário anterior, haja soluções de justiça privada cada vez mais usadas), a defesa (que também já não é um monopólio dos Estados embora eu aqui torça muito o nariz nuns casos embora aceite e defenda plenamente noutros), a segurança pública (que também já não é monopólio dos Estados e eu aqui também torço o nariz em todos os casos) e assegurar depois a prestação de alguns outros serviços o que não é sinónimo de que seja o Estado directamente a presta-los. A saúde aí no país de cima, no Canadá, por exemplo, é toda ela prestada por privados embora paga pelo Estado. Na Alemanha, no serviço ferroviário regional (que é inerentemente deficitário e, portanto, sujeito a obrigações de serviço público) os laender fazem concursos públicos aos quais pode apresentar-se seja que operador for, tanto a DB como operadores privados e umas vezes ganham uns, outras vezes ganham outros. Aí nos EUA embora a aviação seja um negócio totalmente privado, há casos pontuais em que é preciso assegurar o Essential Air Service e aí o Estado mediante concurso público contrata com alguma companhia aérea a operação desse serviço pagando as despesas. Esta última solução é a que mais me agrada para a operação duma série de serviços que o Estado tem que garantir. Faz-se concurso público para a exploração deste equipamento ou do outro. Ganha quem fizer o melhor preço e até pode ser uma empresa do Estado.

    Há ainda depois outro caso a considerar que são os mercados liberalizados como seja a aviação, as telecomunicações, o caminho de ferro de longo curso e similares. Aí o Estado não pinta nada salvo nos casos muito pontuais (que existem na Europa e EUA) em que é preciso assegurar algum tipo de serviço público em mercados sem proveito possivel e aí, naturalmente, o Estado deve usar o parágrafo anterior.

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    1. Ora, eu escrevi isto para as pessoas pensarem, só que muitos dos argumentos que me dão dão são muito fracos e facilmente refutáveis. Como em Portugal a Justiça é altamente ineficaz, de acesso caro, e de resultados aleatórios, perguntava-me eu como é que os liberais portugueses podem ao mesmo tempo dizer que o mercado é muito eficiente e o estado é horrível, mas não se preocupam com a situação da justiça e a deixam ao sabor do estado. Como é que um estado ineficiente, com leis que são medíocres, o que faz a Justiça medíocre, consegue aproveitar o poder do mercado ao máximo, como me querem convencer?

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    2. Não sei dar-te pormenores mas mesmo em Portugal já há soluções de arbitragem para dirimir certos conflitos. Não saberia dar-te pormenores quanto à utilização.

      Em relação à pergunta com que fechas o teu comentário, responde com uma pergunta: será porque a sociedade é ela própria medíocre? Em todo o caso entendo o que dizes e a relação dos Portugueses com o Estado é esquizofrénica. Dizem tudo mal do Estado, funciona tudo muito mal, é uma pouca vergonha, uma tragédia, uma desgraceira pegada. Mas em simultâneo uma substancial parte da sociedade quer tudo no Estado. É demasiado para a minha pobre cabeça entender.

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    3. Sabia que podia contar contigo... <3

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  7. Mais devagar. A solução também não me parece que seja mais Estado. Mas as pessoas pedem precisamente isso e os governos têm que lhes dar o «mais Estado». Quando um governo não faz isso as pessoas votam em quem promete tal coisa e fica-se ainda pior do que no princípio porque leva-se com o «mais Estado» e com uns quantos acrescentos mais como está a ser actualmente o caso. Sendo-te sincero não consigo descortinar, sequer, uma solução. Para esse imbróglio e para muitos outros, de resto. Num quadro democrático a sociedade Portuguesa não consegue resolver uma série de problemas, sendo esta dicotomia «Estado Desastroso versus Ódio Aos Privados» um deles donde resulta que nem o Estado faça devidamente nem crie os quadros legais para a iniciativa privada poder florescer e desenvolver-se. Mas uma ditadura elitista e meritocrática é inexequivel no Portugal de hoje em dia. Portanto ficamos na mesma e não vejo - não é de agora, é de há muitos anos - qualquer outra solução que não o contínuo definhamento social e económico do rectângulo. Esta incapacidade para resolver vários problemas tem a ver com as idiossincracias da Portugalidade.

    É assim! É a vida! É o que há e sem ovos não se fazem omeletes.

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  8. Imaginemos dois restaurantes, o A e o B. O restaurante A vende refeições a 15 euros, o B a 10 euros; apesar da diferença de preços, eu até prefiro o restaurante A e vou lá comer pagando os 15 euros.

    Então, o dono do restaurante B chega ao pé de mim com um facalhão de cortar carne, e obriga-me a pagar-lhe 10 euros; e, após o assalto, diz-me "já que me deste os 10 euros, podes ir comer à borla no meu restaurante"; nesta situação, será contraditório alguém dizer que prefere o restaurante A mas acabar por ir comer ao restaurante B?

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    1. Qual facalhão, qual carapuça? Emigra e não tens de pagar nada.

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  9. Portanto, Rita, para ti, cristão que peque ou que não dê a outra face, não é cristão, certo? Levando a lógica do teu raciocínio às suas últimas consequências, sou forçado a concluir que, não só não há liberais, como não há, sequer, cristãos.

    Não diria que a lógica ande pelas ruas da amargura, mas tem, de facto, dias menos bons.

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