domingo, 1 de maio de 2016

História gótica


52. A Condessa de Ecsed examinou a sua obra.
Com a ajuda das três mulheres impávidas, o monstro tinha sido erguido e aquilo que talvez fossem os seus pés estava agora assente no chão, enquanto aquilo que quem sabe seriam os seus braços tinha sido preso por algemas de ferro ao tecto. Nesta posição, a coisa podia ser examinada de todos os lados, as suas costuras estavam todas à vista, e os pedaços de carne ainda frescos pingavam o que restava de sangue até ficarem secos. A aberração parecia tão morta quanto as carnes com que tinha sido construída. Satisfeita com o seu trabalho, a Condessa de Ecsed sentou-se numa poltrona próxima e esvaziou de um trago o cálice de ouro que lhe serviram. Um líquido escuro enchia o cálice. Uma gota escorreu dos seus lábios. Num rosto jovem de pele lisa teria escorrido depressa, mas o rosto do Condessa estava agora enrugado, idoso, decrépito e a gota demorou-se avançando pelos sulcos da pele áspera. Assim que a gota chegou ao decote do vestido da Condessa, e se perdeu entre o vinco de um peito gasto, a juventude regressou ao corpo enrugado, que voltou a ser o corpo branco e macio com que ela se movimentava pelo castelo arrastando a cauda da sua capa e a bainha do seu vestido. Dentro do assombro a Condessa colocara três corações, por enquanto inertes. Estavam ligados uns aos outros e tinham sido cosidos no interior daquilo que poderia ser a cabeça do resultado das operações da Condessa, e tinha sido criado um acesso para chegar até eles através de um sistema de canais constituído por orelhas e narizes, dedos e laringes. Por esses canais, as quatro mulheres mudas faziam correr pequenas quantidades de pólvora. Medidas rigorosamente, escorregavam até aos corações. A Condessa, que continuava sentada e comia agora quadrados de chocolate, observava. Uma vez esvaziados os dedais que continham a pólvora, uns objectos belíssimos de jade, a Condessa fez um gesto imperioso e o corcunda aproximou-se de um dos canais no topo da cabeça monstruosa. Segurando uma vela, com o braço muito esticado e entornando cera, acendeu um rastilho e correu para trás de uma Donzela de Ferro. Não se ouvia senão o crepitar da pólvora que ardia. Assim que atingiu os corações, os pequenos estouros do explosivo animaram-nos. Espalhando-se por todo o corpo, os disparos fizeram abrir olhos e bocas, fizeram mover músculos. Um estertor horrendo apoderou-se de todo o corpo daquele ser disforme. O prazer da Condessa de Ecsed era imenso e visível.

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