quinta-feira, 12 de maio de 2016

História gótica

63. Notícias da frente.
Ada, Valodu e Groesken aproximam-se do castelo. Viorica está face a face com Anghelescu. Anghelescu sorri só com a boca. A criança sobe por degraus escavados por dentro das paredes. A velha descansa apoiada no cajado. Atanase observa a partir de uma viga do tecto. As quatro mulheres mudas mantêm-se tão mudas quanto imóveis. As quatro crianças iguais assentam os olhos vazios em lado nenhum. O Confessor segura na cela o punhal sobre a cruz. O corcunda arrasta-se arfando pelos corredores. Cosmin rosna. Gavril treme e os copos que carrega numa bandeja chocam uns contra os outros e quase caem. Matriona e Nica mexem a sopa nos caldeirões enormes com as colheres de pau gigantescas. O Conde Egon Gustav von Tepes, sentado de perna cruzada, examina as unhas que acabou de polir. Nergüi cavalga como se a tela fosse a estepe e a moldura as montanhas. O adolescente pálido segura entediado a cabeça com uma mão. O gigante, não esqueçamos o gigante, caminha em círculos e marca o seu percurso redondo na pedra. As sete harpias descansam e em silêncio cravam as garras nas costas dos cadeirões. A criatura transparente com flores secas nos cabelos e lábios secos no rosto arrasta a cauda do vestido que não deixa à sua passagem qualquer rasto. As incontáveis coisas animadas, talvez animais talvez outra coisa, aparecem e desaparecem por entre os móveis deslizando como répteis, saltando como demónios. Os anões despejam na cave carros e carros de carvão. Os morcegos, os ratos, as baratas, as centopeias, as aranhas, as cobras e lagartos. Os espelhos que não reflectem não reflectem. Os cálices de ouro brilham. O vinho corre. O candelabro com pingentes de cristal lança as suas cores sobre as salvas de prata. Os tapetes abafam o ruído dos tacões sobre a madeira. As tapeçarias penduradas nas paredes exibem as suas cenas de batalha e os seus animais exóticos. As portas rangem. Os batentes ecoam. O vento assobia pelas divisões apagando velas acesas. O fogo consome. A pedra gela. Falta a Condessa. Não é fácil contar onde está a Condessa, o que faz. Por onde passa o seu vestido prateado e a sua capa cor de vinho. Qual a natureza que mostra da sua natureza dupla, a mulher jovem belíssima ou a mulher estragada e velha, o lírio, brotando do leite de Hera, ou a múmia que regressa aos braços de Osíris. A verdade é que Ada, Valodu e Groesken não estão preparados para o que vão encontrar, para todas estas coisas fazendo todas estas coisas. Mas chegaram à entrada do castelo. E respiram fundo.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não são permitidos comentários anónimos.