quarta-feira, 11 de maio de 2016

Escolaridade obrigatória

O LA-C escreveu hoje no Observador que a escolaridade obrigatória é ”uma posição que de liberal (pelo menos em sentido estrito) tem muito pouco”. Não concordo com este argumento, se entendermos que, na sua definição genérica, o liberalismo postula que o indivíduo aspira a uma autonomia o mais ampla possível. E, neste sentido, a escolaridade obrigatória não pode chocar nenhum liberal. Outra questão é até quando deve ir essa obrigatoriedade. Até ao 4.º,  6.º, 9.º, 12.º ano? Uma vez mais, essa opção deve ter em conta os costumes, necessidades e possibilidades de cada país. Não há nenhuma regra universal, nem podia haver. Mas nem era disto que eu queria falar. Convém sublinhar que a escolaridade obrigatória também não foi nenhuma invenção da dita esquerda. Foi Napoleão que lançou a ideia (a menos que considerem este tirano um esquerdista, claro) e, sobretudo, foi o conservador Bismarck que a implementou na Alemanha. Talvez alguns não saibam, mas essa obrigatoriedade, na sua origem, não tinha nada a ver com a igualdade de oportunidades, o desenvolvimento económico e outros desideratos que lhe são hoje normalmente associados. O objectivo era mais prosaico, digamos assim. Doutrinar, através das escolas estatais, os jovens cérebros em formação, incutindo-lhes certos ideais, como o de pátria. 

16 comentários:

  1. "E, neste sentido, a escolaridade obrigatória não pode chocar nenhum liberal."

    Falando como não-liberal mas que até leu algumas coisas de liberais, imagino que a escolaridade obrigatória possa perfeitamente chocar alguns liberais (e não chocar outros).

    Creio que isto se resume a 2 questões:

    1 - A partir de que idade um ser humano passa a ter direito à liberdade pessoal?

    2 - No caso da resposta à questão anterior for maior que 0 dias, qual deve ser o balanço entre a autoridade centralizada do Estado e a autoridade descentralizada da família sobre essas pessoas?

    Imagino que haja logo duas maneiras de um liberal ser contra a escolaridade obrigatória - ou considerar que as crianças já têm o mesmo direito à liberdade que os adultos (eventualmente considerando a autoridade familiar como um simples contrato voluntário, revogável por qualquer das partes, em que se troca obediência por comida e proteção); ou considerar que, enquanto as crianças não atingirem a idade em que têm direito à liberdade, a autoridade sobre elas deve ser esssencialmente exercida pela família.

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  2. "Talvez alguns não saibam, mas essa obrigatoriedade, na sua origem, não tinha nada a ver com a igualdade de oportunidades, o desenvolvimento económico e outros desideratos que lhe são hoje normalmente associados. O objectivo era mais prosaico, digamos assim. Doutrinar, através das escolas estatais, os jovens cérebros em formação, incutindo-lhes certos ideais, como o de pátria."

    Ahem.

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    1. Sim, Isabel, o objectivo do Bismarck com a escolaridade obrigatória não era o desenvolvimento económico da Alemanha, nem eram preocupações sociais, era incutir nos jovens a ideia de Alemanha como nação, pátria. E, já agora, os países comunistas, sempre tão elogiados pelas suas preocupações com a educação, também viam a escola como uma excelente forma de fazer lavagens aos cérebros dos jovens - se calhar foi por isso que atingiram os níveis de desenvolvimento e riqueza que sabemos.

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    2. No entanto John Stuart Mill defendia a escolaridade obrigatória de forma a garantir que cada individuo pudesse ser preparado para ser capaz de fazer as escolhas pessoais (politicas e civis) - o que me parece mais liberal.

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    3. de acordo, é um liberalismo mais de esquerda, que se centra menos na questão de garantir as liberdades negativas.

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    4. Luís, é engraçado, gostas tanto do Stuart Mill e depois vais buscar uma frase do Rodrigo Adão Fonseca para justificar a tua afirmação no Observador - quando muito, podias dizer, como o Miguel Madeira, que a escolaridade obrigatória não é consensual entre os liberais, embora nem o Rodrigo a rejeite, tolera-a. O Stuart Mill que te perdoe.

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    5. Cinco coisas.
      1º Não acho nada de extraordinário que um liberal defenda uma ideia em concreto que é pouco liberal. Dando um exemplo ao contrário, é como pegar no Manifesto Comunista do Marx, que tanto elogia os empresários e a sua capacidade de iniciativa, e daí concluir que os comunistas são a favor da iniciativa privada.
      2º Desde o início que estou a caracterizar os liberais de direita. Raramente os vês a citar Stuart Mill. Nosick será mais adequado.
      3º Quando disso que era uma posição pouco liberal, acrescentei que era em sentido estrito. O que quer implica que estou a dizer que em sentidos mais abrangentes é perfeitamente acomodável. Aliás, tu deves ter-te apercebido disso, porque à minha afirmação de que estava a falar em sentido estrito tu contrapuseste uma definição genérica (palavras tuas).
      4º Não consigo perceber a relevância sequer do assunto. Simplesmente estava a dar um exemplo de como é perfeitamente razoável um liberal defender uma coisa muito concreta que não fosse liberal. Podia dar outro exemplo. Por exemplo, a maioria dos liberais são contra a liberalização das rogas duras. qualquer exemplo servia. Poderia ter usado esse exemplo. Como haverá outros também. O único objectivo deste exemplo (que podia ter sido outro qualquer) foi mostrar que o ser liberal não corresponde a nenhuma forma de superioridade moral (dado que tanta gente no primeiro artigo me acusou de fazer equivaler as duas coisas).
      5º Stuart Mill perdoa.

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    6. Também gosto do Stuart Mill e, concordo, também acho que ele perdoa, era um homem bastante tolerante, com uma grande capacidade em ouvir as opiniões dos outros, um verdadeiro liberal.

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    7. Luís, como já referi num comentário a outro artigo, há posições libertárias que muita gente confunde com posições liberais. A legalização das drogas duras é um bom exemplo disso.

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    8. Eu sou daqueles que consideram o libertanismo uma forma extrema de liberalismo. Basicamente, levam-no até às últimas consequências.Um subconjunto, portanto.

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    9. É discutível, Luís, se o libertarismo é uma forma extrema de liberalismo: também há o socialismo libertário e o geo-libertarismo, por exemplo.

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    10. Acho que também há aqui muitos problemas de tradução há mistura - nas línguas latinas, "libertário" era largamente um eufemismo (até para contornar proibições legais) para "anarquista"; em american english, "libertarian" foi um termo criado para substituir "liberal", a partir do momento em que "liberal" passou a estar associado a posições social-democratas (ou seja, no contexto americano, "libertarian" é suposta ser a mesma coisa que "liberal" no contexto europeu - mas como o espectro politico norte-americano é muito mais anti-estatista que o europeu, os "libertarians" acabam por ser também mais radicais que os "liberais" europeus).

      Para complicar ainda mais, dá-me a ideia que muitas vezes (nomeadamente nos críticos do "libertarianismo") se mistura os dois significados (o europeu, libertário=anarquista, e o americano, libertário=liberal), e se considera libertário como sinónimo de anarco-capitalista (e o facto de o anarco-capitalista Murray Rothbard ter sido provavelmente o autor mais prolifuco a usar o nome "libertarian" provavelmente também ajuda).

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    11. Em parte, penso que tem razão, Miguel. Mas repare que os libertários até são uma franja mais radical - essencialmente em termos económicos, mas não só - dos conservadores americanos, e estes, economicamente falando, são os liberais da América.

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    12. Penso que grande (provavelmente a maior) parte dos libertários não se consideram uma franja dos conservadores - creio que muitos se autodefinem de acordo com alguma das variantes do "Gráfico Nolan" (algo do género "conservador - liberdade económica mas não pessoal;liberal - liberdade pessoal mas não económica;libertário - liberdade económica e pessoal; autoritário - liberdade em nada"), colocando-se mais ou menos como o equivalente americano daquilo que o LA-C andava à procura na semana passada.

      Dito, convirá distinguir entre os libertários mais próximos do Libertarian Party, do Cato Institute e/ou da revista Reason dos ligados ao Mises Institute e à família Paul - os segundos estão provavelmente mais próximos dos conservadores do que os primeiros, e sobretudo nas "causas fraturantes" valorizam mais a liberdade local (cada estado e cidade ter as suas próprias leis - frequentemente contra o intervencionismo federal "liberal") do que propriamente a individual (em compensação, em política externa e defesa, sendo radicalmente anti-militaristas, estão para aí a uns 180º do que tem sido a posição conservadora habitual).

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    13. De facto, os libertários não se considerarão uma franja dos conservadores, mas é assim que muitos deles são vistos, até pela adesão de muitos deles ao Partido Republicano, nomeadamente os Paul, por si referidos.

      Quanto à política externa e de defesa, eles estarão, realmente, a uns 180º do "neo-cons", mas não do "mainstream" conservador, representado, por exemplo, pelo "realismo Nixon-Kissinger", do qual não distarão mais que uns 90º ;-).

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  3. A Bismarck também é atribuída a paternidade do Welfare State (por mais que isto desagrade ao British Labour Party) ou, como ele diria, o Wohlfahrtsstaat.

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