quarta-feira, 11 de maio de 2016

Distribuições truncadas

Quando se fala no enviesamento de selecção que está presente no ensino privado, pensa-se que se está a dizer que só os ricos andam em escolas privadas. Isto não é verdade. Há o enviesamento de selecção causado pelo preço das propinas e que irá estar correlacionado com a classe social do aluno. Os alunos de melhor classe social, em média, têm vidas em que têm mais actividades de lazer, fazem férias, são mais acompanhados pelos pais, estão rodeados de pessoas que falam melhor e provavelmente lêem livros, têm melhor alimentação, vivem em casas mais confortáveis, etc., o que lhes dá alguma vantagem em conseguir melhores notas. Mas há outros enviesamentos de selecção.

Um aspecto que é pouco discutido é a obrigação de prestação de serviços, se bem que a nossa fabulosa Helena Araújo já o tenha mencionado várias vezes no Facebook. Se um aluno, independentemente da sua classe social, reprovar no ensino privado várias vezes, a escola privada não tem obrigação de continuar a prestar-lhe serviços. Ele pode tentar encontrar outra escola privada, mas, mais uma vez, não há obrigação de lhe prestar serviços. E se for rejeitado por todas as escolas privadas, onde é que ele acaba? No ensino público porque o estado não só não tem a capacidade de lhe recusar serviços, como tem a obrigação constitucional de lhos prestar até ele terminar a escolaridade mínima obrigatória. Note-se que, ao aumentar a escolaridade mínima obrigatória, o estado aumentou o custo por aluno porque o aluno estuda mais anos, os últimos anos são mais caros, e o aluno tem mais anos escolares nos quais pode reprovar.

Logo, os resultados do ensino público e do ensino privado são enviesados não só em termos de notas, mas também em termos de custo por aluno, pois enquanto que o ensino privado pode truncar as suas distribuições probabilísticas (de custo por aluno e de notas), o ensino público não o poderá fazer.

Seria interessante comparar a média e a variância de idades por ano escolar entre o privado e o público, pois o efeito que descrevo acima seria identificável na demografia de cada escola: as escolas que fazem selecção teriam uma variância e uma idade média inferiores às escolas que não o fazem (o efeito de classe social também teria de ser controlado para isolar o que descrevo).

Dados mais detalhados até seriam úteis para identificar as escolas públicas que fazem selecção de alunos, pois não são só as escolas privadas que discriminam. Bastaria ver as notas médias do aluno no ano escolar anterior à e a idade média de entrada na escola por ano escolar, pois os alunos com piores médias e mais velhos (reprovaram mais anos antes) teriam menor probabilidade de entrar em certas escolas.

Adenda: aos meus amigos que me dizem que as escolas com contratos de associação não discriminam, gostaria de vos lembrar que essas escolas não são verdadeiramente privadas, pois o estado paga e influencia a forma como a escola é gerida. Se o estado tem de pagar para as escolas não discriminarem, é porque os privados reconhecem que não são muito bons a conseguir resultados com certos alunos. Logo, os meus amigos que dizem que o ensino privado é muito melhor do que o público têm uma contradiçãozinha que terão de resolver. 

15 comentários:

  1. Uma verificação feita muito por alto, para os alunos que fizeram o exame de matemática do 12º ano em 2007 (só alunos internos, sem ser para melhoria de nota e de escolas com mais de 30 exames).

    Escolas com maior variância de idades:

    Escola Secundária Domingos Rebelo PUB 21,43243243 4,573720468 37
    Escola Secundária Padre Jerónimo Emiliano Andrade PUB 19,20634921 2,178773924 63
    Escola Secundária Vitorino Nemésio - Praia da Vitória PUB 18,60416667 1,954150883 48
    Escola Secundária Dr. Serafim Leite PUB 17,58139535 1,930119144 43
    Escola Secundária Poeta António Aleixo (uma das minhas) PUB 17,74626866 1,540791646 67

    [o primeiro número é a média de idades, o segundo o desvio padrão e o terceiro o número de exames]

    Com menor variância:

    Externato Carvalho Araújo PRI 17,05 0,316227766 40
    Externato Ellen Key PRI 17,03225806 0,314523022 31
    Colégio Nossa Senhora do Rosário PRI 17,07692308 0,269952762 39
    Escola Secundária D. Filipa de Lencastre PUB 17,03225806 0,179605302 31
    Externato Marista de Lisboa PRI 16,98076923 0,138675049 52

    É verdade que o que a Rita falava era da idade da matricula, e estes dados são as idades de saída, o que muda a coisa (logo à partida, imagino que com ou sem seleção, uma escola com muito insucesso terá sempre uma maior variância de idades)

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    1. Obrigada pelos dados, Miguel. O meu ponto era mesmo dizer que, se houvesse vontade de melhorar o ensino--privado ou público--, poderia usar-se análise de dados para identificar e corrigir problemas. Dada a grande variância que existe entre as escolas, é muito difícil olhar para médias simples de custo ou notas e tomar decisões informadas para cada escola.

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  2. Penso que o estudo mais aproximado será (http://www.cnedu.pt/content/noticias/CNE/Relatorio_Tecnico_-_Retencao.pdf).
    Mas como observas não identifica idades. O valor de desistência+retenção é sempre maior no publico que no privado, o esperado, dada a relevância social no problema do abandono escolar.
    Empiricamente julgo que a distribuição não será tão afectada pelo facto da escola escolher alunos à "posteriori" - ou seja após mau desempenho - é certamente enviesada por escolha à entrada - lendo o desempenho anterior do aluno e só entram os melhores.
    As condições de acesso ao privado (monetárias e sociais) são já enviesamento bastante - o facto de maiores estudos dos pais, maior acesso a cultura, etc.

    Ligando isso com o estudo da Universidade do Porto, é que é complicado entender - parece concluir o estudo que os alunos do público têm no ensino superior melhores médias finais e menor desistencia...

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    1. "parece concluir o estudo que os alunos do público têm no ensino superior melhores médias finais e menor desistencia"

      Isso também tem a ver com oportunidades: é mais fácil, depois de entrar na universidade, para um jovem de famílias afluentes conseguir um emprego porque tem melhores contactos, logo sabe de mais oportunidades, desenvencilha-se melhor na entrevista, tem mais dinheiro para gastar em actividades sociais (pode não estudar tanto), etc.

      Obrigada pelo link. :-)

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  3. Rita, nas escolas com contratos de associação, os critérios de admissão são exactamente dos das escolas estatais, pelo que todo o post parte de um pressuposto certo em relação às escolas sem contrato de associação, mas de um pressuposto errado no que diz respeito às privadas com contratos de associação: o aluno não pode ser recusado por chumbar muitas vezes.

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    1. Eu sei, mas o meu post era sobre como as coisas funcionam no mercado de ensino privado vs. público. Se o estado tem de exigir critérios iguais ao público para as escolas terem contratos de associação é porque o ensino privado não tem assim tanta escolha, nem tanta vontade de ensinar toda a gente, como algumas pessoas dizem.

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  4. Pois, Rita!
    Nunca ouvi falar de alunos recusados por excesso de retenções em escolas com contrato de associação (lembra-te do colégio S. Pedro em Coimbra, eles tinham era muitos alunos que saíram da escola pública por excesso de retenções e esperavam uns "milagres").

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    1. Exacto, quando eu fui para a Brotero no décimo ano, ao fim do primeiro trimestre, vários alunos transferiram-se para esse colégio. Mas a Brotero era intensiva. Os nossos professores diziam que estavam a preparar-nos para entrar na Universidade, não era apenas para completar o décimo-segundo ano.

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  5. Rita, o HPS tem razão, parecendo-me que qualquer análise séria deveria tomar isso em consideração, isolando essas escolas, não as misturando com os chamados colégios para não pobres.
    Por outro lado, a questão dos alunos problemáticos, que abundam nas escolas públicas (sem que estas disponham de instrumentos para os expulsar), entronca no grave problema da indisciplina que graça nas escolas estatais e que não há maneira de ser atenuado.

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  6. Não é muito difícil ver que escolas públicas fazem selecção, pelo menos de forma empírica: as que estão mais bem cotadas nos "rankings".
    Um pequeno exemplo: uma aluna com muito boas notas, residente na zona da escola X, uma das primeiras públicas do ranking, pretende ingressar no 10º ano dessa escola e escolhe certas disciplinas. A encarregada de educação recebe um telefonema a dizer que sim, ela foi aceite e terá essas disciplinas opcionais (tem de haver um mínimo de 10 alunos para formar uma turma). A miúda e os pais ficam tranquilos, até que, na semana em que as pautas têm de ser publicadas, a escola telefona a dizer que afinal tem de ter outras disciplinas. A aluna não aceita, e é o cabo dos trabalhos para encontrar uma escola que lhe dê uma oferta mais próxima do que pretendia, pois já todas têm as turmas formadas. E assim anda a mãe literalmente de escola em escola, a procurar a vaga que a filha não tinha porque, na primeira, quiseram garantir que tão boa aluna ficava ali.

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    1. «Não é muito difícil ver que escolas públicas fazem selecção, pelo menos de forma empírica: as que estão mais bem cotadas nos "rankings". »

      Não me parece que esse método faça grande sentido, já que está logo a assumir como uma premissa (que as escolas com bons resultados são-mo porque selecionam os alunos) aquilo que se quer demonstrar.

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    2. O que entendeu como premissa não é premissa, é a conclusão a que eu cheguei depois da situação que vivi. A escola em causa, que é uma das mais bem cotadas do ranking, fez os possível para ali reter o processo da minha filha, evitando que ela fosse para outra escola. Não se ralou nada em lhe mudar as opções, não quis foi abrir mão de uma aluna que, tudo indicava, ajudaria a manter a escola numa boa posição. Não disse acima mas acrescento agora, que soube ser essa uma prática usual.

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  7. Já agora, e pegando um pouco no que a Paula Marques diz, convém não exagerar no argumento "as escolas privadas têm melhores resultados porque têm alunos mais fáceis de ensinar"; pelo menos nas pequenas cidades, por vezes os pais transferem os filhos das públicas para a privada quando acham que o filho se está "a perder" na pública e que na privada talvez façam um melhor trabalho; ou seja, suspeito fortemente que, controlando para a classe social de origem, os alunos das privadas sejam piores do que os das públicas.

    Já agora, convém distinguir entre "maus alunos" e "alunos problemáticos" (os segundos têm externalidades negativas, os primeiros não necessariamente) - tenho as minhas dúvidas que as escolas privadas procedam sistematicamente à não-matricula de maus alunos que não chateiem ninguém (só se estiverem no limite da capacidade - se não for o caso, porque iriam perder um cliente?).

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  8. Boa pergunta final, Rita, mas ficou até agora sem resposta. O Henrique atirou ao lado (três metros à direita do elefante, como o engenheiro). Parece-me que a liberdade de escolha tem de ser forçada pelo Estado… ou seja, o Estado é que é o garante da liberdade de escolha. Engraçado, né?
    Mas eu agora vou mais longe e pergunto: não existe de facto selecção na entrada para escolas privadas com contrato de associação? Não há entrevistas, por exemplo? Eu só pergunto, não sei nadinha disso.
    Nas públicas, a selecção é natural. Uma escola como o Infanta Dona Maria, em Coimbra, sempre no cimo do ranking das públicas, tem a sorte de estar numa zona de classe média alta, tudo prof docs e liberais, etc. A excelência é mais fácil aqui do que na Pampilhosa da Serra, por exemplo. Eu apenas digo que é (muito) mais fácil. Admito que uma escola privada com uma gestão maravilhosa consiga colocar uma escola de Pampilhosa em primeiro lugar no ranking. Aliás, está já prevista a construção de uma escola privada nesse concelho e isso vai-se confirmar rapidamente…

    Renato

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  9. Os alunos do privado não sabem nada e os professores fazem a papinha toda a esses meninos. Só dão metade da matéria e dizem o que vai sair nos testes.

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